Artigo de Roy Eappen, publicado originalmente em 02/06/2024 no Washington Examiner
Tradução por Andreia Nobre
Não é tarde para voltar atrás. É isso que a Sociedade Endócrina, uma das instituições médicas mais poderosas dos Estados Unidos, deve se lembrar durante a sua reunião anual, que terá lugar em Boston esta semana.
Esta instituição é uma das principais defensoras de tratamentos agressivos, invasivos e irreversíveis de “afirmação de gênero” para crianças. Durante anos, desempenhou um papel importante em ações judiciais que derrubaram leis estaduais, criadas para proteger crianças, e juízes, políticos, médicos e pacientes recorrem a ela em busca de orientação. No entanto, os desenvolvimentos recentes devem servir de guia para levar a Sociedade Endócrina a reconsiderar a sua posição em relação às crianças.
Digo isso como um endocrinologista de longa data que participou da reunião da sociedade em 2023 em Chicago. Eu e meus colegas reconhecemos há muito tempo a fraca evidência que apoia tratamentos de “afirmação de gênero” para crianças.
A própria sociedade admitiu isso desde 2017, quando apoiou totalmente tais tratamentos com base no que chamou de evidências de qualidade “baixa” e “muito baixa”. A sociedade também declarou explicitamente que dá um elevado valor à aparência física das crianças, mas tem menos preocupação com potenciais danos médicos aos jovens vulneráveis. Com base nestas diretrizes, os endocrinologistas dos Estados Unidos e do Canadá fornecem amplamente bloqueadores da puberdade e hormônios sexuais do sexo oposto a crianças, abrindo caminho para eventuais cirurgias de mudança de sexo.
No entanto, desde a reunião do ano passado, a Sociedade Endócrina tem estado sob constante e justificada pressão. Mais significativamente, o relatório Cass do Reino Unido, da autoria da renomada pediatra Dra. Hilary Cass, criticou as diretrizes da Sociedade Endócrina pela “ausência de rigor desenvolvimental”. Ela concluiu que “não há boas evidências sobre os resultados a longo prazo” dos tratamentos extremamente agressivos (e em grande parte experimentais) que a sociedade recomenda.
O que, então, as evidências indicam? A Dra. Cass concluiu que, como regra geral, “um caminho medicalizado não será a melhor forma de lidar com o sofrimento [das crianças] relacionado com [questionamento de identidade de] gênero”.
Os dados comprovam seu argumento: pelo menos 80% das crianças que pensam que são transexuais, e talvez até 94%, acabam por decidir que não o são. Estas crianças não precisam de produtos químicos e cirurgias que alterem o corpo e a mente e que as transformem em algo que não são.
Elas precisam de cautela, aconselhamento e, acima de tudo, de tempo para compreender quem são. Em outras palavras, elas precisam exatamente daquilo que a Sociedade Endócrina não endossa.
A questão agora é se a Sociedade Endócrina vai mudar de tom e novamente colocar a saúde das crianças em primeiro lugar. Os sinais iniciais não são promissores. [A Sociedade Endócrina] respondeu ao relatório Cass sem argumentar em relação à evidência coletada, mas apelando à manipulação emocional: “Nos mantemos firmes em nosso apoio aos cuidados de afirmação de gênero”, com base no fato de serem “necessários e que muitas vezes poupam vidas”.
Esse discurso mostra pouca preocupação com a ciência médica e a ética das quais o verdadeiro cuidado depende. Como a Dra. Cass observou sobre o impacto do seu relatório, grupos como a Endocrine Society estão “enganando o público”.
A sociedade também lançou a sua própria análise das evidências, mas essa análise também não parece promissora. O painel que supervisiona a revisão está repleto de médicos que têm conflitos de interesse, incluindo vários que estão vinculados a um grupo de defesa total (da afirmação de gênero), a WPATH - Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero.
A WPATH tem um histórico de usar a Sociedade Endócrina como porta-voz, dando às suas demandas extremas de tratamento um verniz de autoridade médica. A WPATH também conduziu a sua própria revisão das evidências, apenas para as enterrar quando os investigadores descobriram que faltavam evidências. Dada a influência da WPATH, a Sociedade Endócrina parece determinada a chegar a uma conclusão predeterminada – especificamente, que crianças com problemas de gênero a partir dos 8 anos de idade devem receber intervenções médicas irreversíveis.
A última esperança de mudar esse discurso pode vir do novo presidente da Sociedade Endócrina, Dr. John Newell-Price. Tal como Cass, ele é do Reino Unido, que está avançando rapidamente para uma abordagem mais baseada em evidências para ajudar crianças que não se sentem confortáveis com seus corpos. Se estiver comprometido com a ciência médica e a ética, ele pode fazer uso da reunião da sociedade para anunciar uma nova direção, que coloque a saúde das crianças à frente das exigências dos ativistas.
Ou a Sociedade Endócrina pode continuar a pôr as crianças em risco. Se isso acontecer, os americanos têm a obrigação de ignorar esta instituição que já foi prestigiosa. Juízes deveriam jogar fora os documentos jurídicos dessa instituição que defendem intervenções agressivas e experimentais para crianças. Políticos deveriam rejeitar as notas e testemunhos redigidos pela Sociedade Endócrina que se opõem a leis que protegem crianças. E médicos e pacientes devem procurar orientação em outros lugares sobre questões críticas sobre como ajudar crianças vulneráveis e confusas. Ainda não é tarde para a Sociedade Endócrina voltar atrás, mas esta é a última oportunidade.
Roy Eappen, MD, é endocrinologista e membro sênior da organização Do No Harm.
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