Misoginia institucional no STF: quando o direito à verdade é negado às mulheres
- Mátria Associação Matria
- 6 de mai.
- 3 min de leitura
A MATRIA, associação que atua na defesa dos direitos das mulheres e das crianças, teve uma de suas ações extintas pelo Supremo Tribunal Federal. A ação buscava esclarecer a origem e a veracidade de um dado amplamente divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): o de que pessoas trans no Brasil teriam uma expectativa de vida de apenas 35 anos.
Esse dado, repetido em documentos oficiais e até decisões judiciais, como na ADO 26, não possui base técnica validada. Não há registro no IBGE, nem metodologia pública, tampouco qualquer estudo auditado que comprove tal número. Mesmo assim, ele serve como fundamento para políticas públicas e argumentos jurídicos.
Preocupada com o uso de dados falsos na formulação de decisões que impactam diretamente a vida das mulheres e das crianças, a MATRIA notificou o CNJ. Sem obter resposta por mais de um ano, decidiu levar a questão ao STF.
O pedido da MATRIA e a reação do STF
O pedido era direto: que o Supremo verificasse se o dado em questão era verdadeiro, e se seria legítimo que um órgão de Estado o utilizasse como se fosse. Em outras palavras, a MATRIA pedia o direito à verdade.
No entanto, o Ministro Dias Toffoli extinguiu a ação sem julgamento de mérito, alegando que o STF não seria o foro adequado para tratar do tema. Até aqui, poderíamos considerar que se tratava de uma interpretação técnica. Mas a decisão não parou por aí.
Mesmo sem julgar o mérito, o Ministro fez questão de emitir uma opinião sobre ele. E foi além: afirmou que o pedido da MATRIA "consubstancia verdadeiro ataque injustificado a grupo vulnerável", acusando a entidade de usar o "subterfúgio" de correção de dados para minimizar a violência contra pessoas trans.
Ou seja: o STF se recusou a investigar a veracidade de um dado, mas julgou a intenção da entidade que questionou esse dado, sem oferecer direito ao contraditório.
Misoginia institucional no STF e o silenciamento das mulheres
A decisão de Toffoli evidencia um fenômeno conhecido como misoginia institucional. É quando instituições públicas desqualificam mulheres ou suas organizações, não com base em fatos ou argumentos, mas por estereótipos e julgamentos prévios.
A MATRIA foi tratada como uma entidade mal-intencionada, sem sequer ter a chance de apresentar sua defesa. O uso de expressões como "subterfúgio" e "ataque injustificado" revela um desprezo à atuação legítima de mulheres na fiscalização do Estado.
Além disso, ao afirmar que "se está nos meios de comunicação, é verdade", o Ministro ignora um dos princípios mais básicos do Estado Democrático de Direito: o direito à verificação, à dúvida, à contestação.
Quando o debate público é interditado
O mais grave é perceber que esse caso extrapola a discussão sobre dados estatísticos. Trata-se de um alerta: há temas no Brasil que não podem mais ser questionados. E quem ousa fazê-lo, mesmo de forma respeitosa, embasada e legal, é rotulado como agressor.
O direito da sociedade civil de fiscalizar órgãos públicos e questionar informações usadas como fundamento de políticas estatais está sendo enfraquecido. E quando esse enfraquecimento atinge especialmente organizações de mulheres, estamos diante de misoginia institucional no STF.
A luta pela verdade continua
Mesmo com a decisão desfavorável, a MATRIA não vai se calar. A entidade já se prepara para entrar com embargos e buscar novas instâncias para garantir que dados falsos sejam removidos de documentos oficiais e que mulheres possam continuar atuando na defesa da verdade.

A verdade não é uma ofensa. A dúvida não é um ataque. E as mulheres têm o direito de participar, com racionalidade e legitimidade, de todos os debates que envolvem suas vidas e seus direitos.
Como disse Bertha Lutz, em 1929:
Além desses direitos [de instrução e trabalho], tem a mulher outros, por exemplo, o de garantir e proteger seus interesses civis e o de dar sua opinião em questões públicas, especialmente nas que mais de perto consultem seus interesses ou possam de qualquer modo atingir seu bem-estar e o das crianças.
É isso que a MATRIA fez: exerceu seu direito de dar opinião em uma questão pública que atinge diretamente o bem-estar das mulheres e das crianças.
E por isso, esse caso precisa ser conhecido e debatido por toda a sociedade.