No dia 04 de julho, a Defensoria Pública da União publicou um vídeo no Instagram sobre prostituição e tráfico de pessoas. O intuito de coibir o tráfico é louvável; contudo, o órgão nomeou a prostituição de “trabalho sexual” e as mulheres como “trabalhadoras do sexo”.
O tom do texto da campanha, desde a trilha sonora, a idade e a aparência da escolhida para protagonizá-la (em idade adulta, branca, próxima do padrão de beleza reinante), tudo colabora para uma visão equivocada e nada realista do que são a maioria das que estão nessa situação: meninas, mulheres pobres, negras, muitas vezes de idade já avançada, indígenas, com graves questões de saúde física e mental.
O recente apelo da Relatora Especial da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem, publicado no dia 21 de junho, é um alerta para a crescente naturalização do comércio de corpos de mulheres e meninas, protagonizado, sobretudo, por pessoas que lucram com essa venda e “clientes”. Essa naturalização se disfarça de luta por direitos dessas mulheres e foi eficaz em impor uma nomenclatura eufemística e falsa sobre essa exploração.
Reem fez um apelo à ação global para reconhecer e combater a prostituição como um sistema de violência, exploração e abuso contra mulheres e meninas:
“A prostituição reduz mulheres e meninas a meras mercadorias e perpetua um sistema de discriminação e violência que impede sua capacidade de alcançar a verdadeira igualdade”.
“A prostituição sexualiza e racializa a pobreza e tem como alvo mulheres de origens marginalizadas, que frequentemente não têm acesso a serviços de proteção ou oportunidades viáveis de subsistência, aumentando sua vulnerabilidade a mais exploração”
“Dado o imenso dano sofrido por mulheres e meninas na prostituição, é importante usar terminologia que se alinhe com a lei e os padrões internacionais de Direitos Humanos. Termos como 'trabalho sexual' higienizam a realidade prejudicial da prostituição”.
Quando naturalizamos a prostituição como um tipo de trabalho, quando forçamos uma distinção, meramente formal, entre ela e a exploração sexual, estamos, precisamente, favorecendo o tráfico de pessoas. Esses aspectos estão intrinsecamente interligados, conforme alerta a relatora: “Políticas antitráfico que criam uma distinção artificial entre prostituição 'forçada' e 'livre' não devem ser mal utilizadas”.
Alsalem também falou sobre o equívoco de uma noção de “direito” dos homens de comprar atos sexuais como algo que normaliza a violência sistemática e apaga os limites entre sexo consensual e violência sexual, tendo um impacto de longo alcance na formação das expectativas sexuais de homens e meninos:
“A normalização da prostituição, incluindo pornografia, cria expectativas sexuais prejudiciais para homens e meninos e prejudica a participação segura e igualitária de mulheres e meninas na sociedade”.
Nas últimas décadas o lobby pró-prostituição, muito bem financiado por organizações internacionais, se infiltrou em órgãos públicos, empresas privadas, imprensa, partidos políticos, movimentos sociais e público em geral. Esse lobby alega defender o interesse de homens e mulheres nessa situação; contudo, é o lado de cafetões e “clientes” que esse lobby representa. Agindo na direção oposta à emancipação das mulheres e meninas, desvia a atenção da realidade tentando colocar o problema não na prostituição em si, mas no suposto “tabu”, “moralismo” e “estigma” a ela associados.
Chamamos atenção para o fato de que os clientes e cafetões, assim como não aparecem no vídeo da Defensoria, também raramente são mencionados por esses ativistas. Se fosse um mero trabalho qualquer, os que compram sexo e financiam esse sistema não seriam cuidadosamente ocultados de cena.
O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo que considera a exploração da prostituição como uma forma de "tráfico de pessoas". Nesse documento se evidencia a fragilidade do consentimento na medida em que se observa as forças da pobreza e da violência inerentemente coercitivas envolvidas na situação de tráfico, evidenciando que o consentimento é irrelevante. Em 2020, o comitê da CEDAW, Convenção pela Eliminação da Violência contra a Mulher, reconheceu tais violações como um “fenômeno enraizado na discriminação estrutural baseada no sexo, constituindo violência baseada no gênero” bem como reconheceu os vínculos entre tráfico e exploração sexual como “indivisíveis”. Só existe tráfico para fins de exploração sexual porque existe procura, ou seja, compradores de sexo. Esses compradores de sexo diferenciam o tráfico de uma situação de “livre escolha”?
O Brasil precisa se engajar em práticas reais para garantir os Direitos Humanos destas. O Estado deve combater a prostituição ofertando alternativas para as mulheres nessa situação. Uma pessoa em situação de prostituição é uma pessoa vulnerável a uma série de violências. Mulheres e meninas que se encontram praticando atos sexuais em troca de dinheiro estão vulneráveis às agressões e humilhações praticadas por “clientes” e cafetões. Numa sociedade saudável e que respeitasse meninas e mulheres, ninguém acharia normal pagar para fazer sexo.
A prostituição é um sistema de exploração de corpos, em especial de meninas e mulheres, com graves consequências para as envolvidas e, também, para a sociedade em geral. Nós, meninas e mulheres, não estamos à venda.
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