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Revisão independente de serviços de identidade de gênero para crianças e jovens - Primeira Parte

A MATRIA está traduzindo o Relatório Cass. O relatório completo possui 388 paginas e por isso a tarefa aqui é feita aos poucos. Abaixo a parte inicial do relatório.

Texto traduzido por WKB para a MATRIA



 

Revisão independente de serviços de identidade de gênero para crianças e jovens


Revisão independente de serviços de identidade de gênero para crianças e jovens: Relatório final

Abril 2024


Primeira edição publicada em abril de 2024.

Atualizado em dezembro de 2024 para pequenas alterações e acessibilidade. Todas as imagens obtidas do Adobe Stock e inclui algumas imagens de IA. Referenciar como:

Cass, H. (2024). Revisão independente de serviços de identidade de gênero para crianças e jovens: Relatório final. https://cass.independent-review.uk/home/publications/final-report/


O titular dos direitos autorais consentiu que terceiros republiquem o material contido neste relatório. Quando qualquer material, ou os direitos autorais de tal material, for identificado como sendo de propriedade de um terceiro, você precisará obter permissão deste terceiro antes de republicar tal material.


Prefácio da Presidente


"O estado fundamental da medicina é a incerteza. A sabedoria - tanto para os pacientes quanto para os médicos - é definida pela forma como cada um lida com ela." Atul Gawande, Complicações (Complications - 2002)


Esta Revisão não se trata de definir o que significa ser trans, nem de enfraquecer a validade das identidades trans, desafiar o direito das pessoas de se expressarem, ou de reverter os direitos das pessoas a atendimento médico. Ela se trata do que deve ser a abordagem do atendimento médico e de qual é melhor forma de ajudar o crescente número de crianças e jovens que procuram apoio do NHS em relação à sua identidade de gênero.

A revisão não foi conduzida no vazio. Houve muitas partes móveis e um debate público significativo e, muitas vezes, desafiador. Fui atingida por problemas diferentes ao longo do caminho, mas tentei manter o foco na minha responsabilidade.


Um dos grandes prazeres da Revisão tem sido a oportunidade de a conhecer e falar com tantas pessoas interessantes. Quero agradecer a todos aqueles que generosamente dedicaram seu tempo para compartilhar suas histórias, experiências e perspectivas. Falei com adultos transgênero que estão levando vidas positivas, bem-sucedidas e que se sentem empoderados por ter tomado a decisão de transição. Falei com pessoas que destransicionaram, algumas das quais se arrependem profundamente de suas decisões anteriores. Falei com muitos pais com perspectivas muito diferentes.


Alguns lutaram para colocar seus filhos em um caminho médico e falaram sobre o quão frustrados eles se sentiram em ter que brigar para ter apoio. Outros sentiram que um caminho médico era a decisão totalmente errada para seu filho e descreveram sua perplexidade em relação às ações tomadas sem seu consentimento e desconhecendo as várias outras dificuldades que seu filho pode ter passado, como perda de um dos pais, doença traumática, diagnóstico de neurodiversidade e isolamento ou bullying na escola.


Além de ouvir aqueles com experiência vivida, também falei com uma ampla gama de médicos e acadêmicos. Os médicos que passaram muitos anos trabalhando em clínicas de gênero tiraram conclusões muito diferentes a partir da sua experiência clínica sobre a melhor forma de apoiar os jovens com angústia relacionada com o gênero. Alguns defendem com unhas e dentes que a maioria das pessoas que procuram os serviços de gênero passará a ter uma identidade trans a longo prazo e deve ser apoiada para ter acesso a um caminho médico em uma fase precoce. Outros acham que estamos medicalizando crianças e jovens cujas várias outras dificuldades se manifestam através da confusão de gênero e da angústia relacionada ao gênero.


Uma coisa une todas essas pessoas: todas elas acreditam firmemente no que me disseram, e aqueles com responsabilidade parental ou clínica em relação a crianças e jovens estão tentando o seu melhor para fazer o que acham que é a coisa certa para apoiá-las.


Apesar das melhores intenções de todos que estão interessados nesta complexa questão, a toxicidade do debate é excepcional. Tenho enfrentado críticas por me envolver com grupos e indivíduos que assumem uma abordagem de justiça social e defendem a afirmação de gênero, e fui igualmente criticada por me envolver com grupos e indivíduos que insistem em mais cautela. O conhecimento e a experiência de médicos experientes que chegaram a conclusões diferentes sobre a melhor abordagem ao atendimento são, por vezes, desacreditados e invalidados.


Há poucas outras áreas da saúde onde os profissionais têm tanto medo de discutir abertamente suas opiniões, onde as pessoas são difamadas nas redes sociais e onde os xingamentos são o eco do pior comportamento de bullying. Isto precisa parar.


A polarização e o sufocamento do debate não ajudam em nada os jovens presos no meio de um discurso social tumultuado, e a longo prazo também dificultarão a pesquisa - que é essencial para encontrar a melhor maneira de apoiá-los em seu desenvolvimento.


Esta é uma área de evidência extremamente fraca; no entanto, os resultados dos estudos são exagerados ou mal representados por pessoas de todos os lados do debate para apoiar o seu ponto de vista. A realidade é que não temos nenhuma boa evidência sobre os resultados a longo prazo das intervenções para tratar a angústia relacionada ao gênero.


Muitas vezes demora muitos anos até que os achados altamente positivos de uma pesquisa sejam incorporados na prática. Há muitas razões para isso. Uma delas é que os médicos podem ser cautelosos na implementação de novos achados, especialmente quando sua própria experiência clínica lhes diz que a abordagem atual, que eles usaram ao longo de muitos anos, é a certa para seus pacientes. O contrário aconteceu no campo do atendimento relacionado ao gênero para crianças. Com base em um único estudo holandês, que sugeriu que os bloqueadores da puberdade podem melhorar o bem-estar psicológico para um grupo restrito de crianças com incongruência de gênero, a prática se espalhou rapidamente para outros países. Isto foi seguido de perto por uma maior disponibilidade para iniciar hormônios masculinizantes/feminilizantes em jovens no meio da adolescência, e pela extensão dessa abordagem a um grupo mais amplo de adolescentes que não teriam cumprido os critérios de inclusão para o estudo original holandês. Alguns médicos abandonaram abordagens clínicas normais para a avaliação holística, o que significa que este grupo de jovens foi excepcionalizado em comparação com outros jovens com apresentações similarmente complexas. Eles merecem um serviço muito melhor.


Numa nota pessoal, gostaria de falar - através deste prefácio - para as crianças e os jovens que estão no centro desta Revisão. Eu decidi não escrever para vocês separadamente porque é importante que todos ouçam a mesma mensagem. Alguns de vocês falaram muito claramente que querem aconselhamento bem melhor sobre as opções disponíveis para vocês e os riscos e benefícios de diferentes cursos de ação e ficarão satisfeitos com o que vocês encontrarão neste relatório. Outros de vocês disseram que querem apenas o acesso aos bloqueadores de puberdade e hormônios o mais rápido possível, e podem ficar aborrecidos por não estarmos recomendando isso. Estou muito consciente de que vocês podem ficar decepcionados com isso. No entanto, eu quero ter certeza de que vocês estão recebendo a melhor combinação de tratamentos, e isso significa colocar em prática um programa de pesquisa para olhar para todas as opções possíveis e para descobrir quais dão os melhores resultados. Há muitas razões importantes para esta decisão.


Em primeiro lugar, vocês devem ter os mesmos padrões de cuidado que todas as outras pessoas no NHS e isso significa basear os tratamentos em boas evidências. Ando desapontada com a falta de evidências sobre os impactos a longo prazo ao tomar hormônios desde cedo; a pesquisa decepcionou a todos nós e, mais importante ainda, a vocês. No entanto, não podemos esperar que vocês tomem decisões que mudam a vida do nada sem conseguirem ponderar seus riscos e benefícios agora e a longo prazo, e temos que construir a base de evidências com bons estudos no futuro. É por isso que peço que se juntem a quaisquer estudos de pesquisa que olham para os resultados a longo prazo dessas intervenções para que vocês possam ajudar a todos aqueles que vêm depois de vocês. Temos que mostrar que os tratamentos são seguros e que produzem os resultados positivos que vocês esperam deles. As pessoas em estudos de pesquisa muitas vezes conseguem melhores resultados do que as pessoas que estão em tratamento regular porque têm a chance de tentar novas abordagens, bem como de obter muito mais acompanhamento e apoio.


Em segundo lugar, a medicação é binária, mas o grupo de crescimento mais rápido que se identifica sob o guarda-chuva trans é não-binário, e sabemos ainda menos sobre os resultados para este grupo. Alguns de vocês também se tornarão mais fluidos em sua identidade de gênero à medida que ficam mais velhos. Não sabemos qual é o ‘ponto perfeito’ de quando alguém estabelece seu senso de si mesmo, nem quais pessoas são mais propensas a se beneficiar da transição médica. Ao tomar decisões que vão mudar sua vida, qual é o equilíbrio correto entre manter as opções o mais flexíveis e abertas possível à medida que vocês avançam para a idade adulta e responder a como vocês se sentem agora?


Por fim, eu sei que vocês precisam de mais do que intervenção médica, mas os serviços estão realmente no limite e vocês não estão recebendo o apoio mais amplo que vocês precisam para gerenciar quaisquer problemas de saúde mental, providenciar a preservação da fertilidade, obter ajuda com quaisquer desafios relacionados à neurodiversidade, ou até obter aconselhamento para trabalhar questões e problemas que você possa ter. Precisamos olhar para todos os elementos que são necessários em um pacote de cuidados que ajudarão vocês a se desenvolver e cumprir seus objetivos de vida mais amplos.


O primeiro passo para o NHS é expandir a capacidade, oferecer intervenções mais amplas, aprimorar a força de trabalho mais ampla, adotar uma abordagem individualizada e pessoal para atender e implementar os mecanismos para coletar os dados necessários para a melhora da qualidade e pesquisa.


Expandir a capacidade em todos os níveis do sistema não só permitirá mais atendimento oportuno e mais espaço para explorar, mas também liberará os serviços especializados para aqueles que mais precisam deles. Sei que há muitos que já esperaram muito tempo e continuarão a esperar e que, tal como eu, os colegas de todo o NHS estão profundamente preocupados com isso. Não podemos consertar tudo da noite para o dia, mas precisamos começar.


Gostaria também de compartilhar alguns pensamentos com todos os meus colegas da área médica. Temos de partir do entendimento de que este grupo de crianças e jovens é exatamente isso: em primeiro lugar, crianças e jovens - e não indivíduos exclusivamente definidos pela sua incongruência de gênero ou angústia relacionada ao gênero. Temos que deixar de lado o ruído e a polarização para reconhecer que eles precisam dos mesmos padrões de cuidados de alta qualidade para atender às suas necessidades como qualquer outra criança ou jovem. Quando você fala com esses jovens e seus pais/cuidadores, eles querem as mesmas coisas que todos os outros: a chance de que os ouçam, respeitem e acreditem neles; terem suas perguntas respondidas e acesso a ajuda e aconselhamento. Apenas quando estão em listas de espera muito longas e marginalizados do atendimento habitual nos serviços locais que eles são forçados a fazer a sua própria pesquisa e podem chegar a uma única resposta médica para os seus problemas.


Como médicos experientes, estamos familiarizados em lidar com a complexidade na apresentação, mas para este grupo de jovens a experiência foi concentrada em um pequeno grupo de pessoas que serviu para armazenar o conhecimento. Ouvimos muitos profissionais clínicos questionarem a sua capacidade e isto os deixou apreensivos em trabalhar com esta população. Eu sei que vocês só precisam da formação adequada, apoio e, mais importante, da confiança para fazer o que vocês foram treinados para fazer e tratar esta população como vocês fariam com qualquer outro jovem em perigo.


Na condução desta Revisão tive que fazer recomendações com base nas informações disponíveis atualmente. Estou muito ciente de que este é um ponto no tempo e, à medida que novas evidências sejam reunidas, diferentes insights podem surgir. Recomendei um modelo de serviço que tenha mecanismos incorporados para poder evoluir e se adaptar à pesquisa emergente supervisionada por estruturas de governança adequadas tanto dentro de organizações individuais do NHS quanto em nível nacional.


Não são apenas as crianças e os jovens com angústia relacionada ao gênero que enfrentam desafios emocionais e sociais, mas também a população mais ampla de adolescentes. Só podemos fazer o nosso trabalho sendo ambiciosos para todas as crianças e jovens e priorizando o desenvolvimento de serviços para atender às suas necessidades mais amplas.


Sobre este relatório

A Revisão Independente de Serviços de Identidade de Gênero para Crianças e Jovens foi encomendada pelo NHS da Inglaterra para fazer recomendações sobre as questões relacionadas com a prestação destes serviços, conforme estabelecido nos termos de referência (Apêndice 1).


A revisão foi voltada para o futuro. Seu papel foi considerar como a abordagem clínica e o modelo de serviço atuais devem ser melhorados. Para isso, foi necessário entender o cenário atual e porque a mudança é necessária, para que qualquer modelo futuro aborde os desafios existentes.


Este relatório destina-se principalmente aos prestadores de serviços para crianças e jovens que necessitam de apoio em relação ao seu gênero. No entanto, devido ao grande interesse neste tema, foi feito um esforço para torná-lo o mais acessível possível, ao mesmo tempo em que representa os dados que por vezes são detalhados e complexos.


A Revisão está ciente dos debates culturais e sociais mais amplos relacionados aos direitos das pessoas transgênero. Não é papel da Revisão escolher nenhuma posição sobre as crenças que sustentam esses debates. Em vez disso, esta Revisão está estritamente focada nos serviços clínicos prestados a crianças e jovens que procuram ajuda do NHS para resolver a sua angústia relacionada ao gênero.

1. Abordagem

2. Contexto

3. Compreendendo a coorte de pacientes

4. Abordagem clínica e gerenciamento clínico

5. Modelo de serviço


O relatório tem cinco partes:

Ao longo dele, a Revisão se concentrou em ouvir uma ampla gama de perspectivas para entender melhor os desafios dentro do sistema atual e as aspirações de como eles poderiam ser abordados. Este relatório não contém tudo o que ouvimos, mas resume temas consistentes, usando citações diretas para ilustrar os argumentos, quando apropriado.


O relatório inclui achados das revisões sistemáticas encomendadas pela Universidade de York para embasar o trabalho. Os artigos revisados por pares completos estão disponíveis com acesso aberto em https://adc.bmj.com/pages/gender-identity-service-series.


O relatório representa um ponto no tempo e tira conclusões e faz recomendações com base nas evidências atualmente disponíveis.


A Revisão é independente do NHS e do Governo e nenhum dos dois exigiu nem buscou aprovação do conteúdo deste relatório antes da publicação.


Linguagem

Os rótulos podem ser confusos; os jovens às vezes os acham úteis e às vezes os consideram estigmatizantes. Não há consenso sobre a melhor linguagem para usar em relação a este assunto. A linguagem em relação a esta área também mudou rapidamente e os jovens desenvolveram formas variadas de descrever suas experiências usando diferentes termos e construções que são relevantes para eles.


A Revisão tenta, tanto quanto possível, usar linguagem e termos respeitosos e que reconhecem a diversidade, mas que também descrevem com exatidão a complexidade do assunto que estamos tentando articular.

Os termos usados nem sempre parecerão corretos para alguns; no entanto, é importante enfatizar que a linguagem usada não é uma indicação de uma posição sendo tomada pela Revisão. Um glossário de termos está incluído. As definições principais são:


Incongruência de gênero é o termo usado na Décima Primeira Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) (Organização Mundial da Saúde, 2022) para descrever "incongruência marcada entre o gênero vivenciado pelo indivíduo e sexo que lhe foi designado ao nascer". Ela foi deslocada do capítulo "transtornos mentais e comportamentais" para o capítulo "Condições relacionadas à saúde sexual" para que não seja percebida como um transtorno de saúde mental. Não inclui referências a disforia ou disfunção.


Disforia de gênero é o termo usado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição, Revisão de Texto (DSM-5-TR) (American Psychiatric Association, 2022). Na definição do DSM-5-TR, a incongruência de gênero tem de estar associada a uma angústia clinicamente significativa ou a um comprometimento funcional. Crianças mais jovens com incongruência de gênero podem não apresentar disforia, mas geralmente ela surge ou aumenta à medida que entram na puberdade.


A disforia de gênero é o termo mais comumente usado em publicações de pesquisa, bem como em ambientes clínicos. Também é mais provável que seja familiar ao público leigo, uma vez que tem sido amplamente utilizado nas redes sociais e mídia tradicional. Como a depressão, é um rótulo que é usado coloquialmente para descrever sentimentos, além de ser um diagnóstico formal.


Dentro do relatório, usamos o termo incongruência de gênero como definido acima, e angústia relacionada ao gênero para descrever os sentimentos que comumente surgem ou se intensificam durante a puberdade e levam um jovem a buscar ajuda do NHS.


O termo criança é usado para se referir a crianças pré-púberes e jovens para se referir a menores de 18 anos que já entraram na puberdade. O relatório também se refere aos adolescentes ao discutir os estágios do desenvolvimento cerebral, e tanto adolescentes quanto jovens, onde o estudo descrito utiliza esses termos. Jovens adultos se refere àqueles entre os 18 e os 30 anos de idade.


Durante o tempo de vida da Revisão, o termo trans mudou de uma definição bastante específica para ser aplicado como um termo guarda-chuva para um espectro mais amplo da diversidade de gênero. Este relatório usa "transgênero" para descrever indivíduos transexuais binários e "não binários" para aqueles que não têm um gênero binário feminino ou masculino tradicional. O termo "não conformidade de gênero" é usado para descrever aqueles indivíduos que escolhem não se conformar com as normas tradicionais de gênero e "questionamento de gênero" como um termo mais amplo que pode descrever crianças e jovens que estão em um processo de compreensão de sua identidade de gênero. O termo "trans" é usado como o termo guarda-chuva.


Os termos paciente e usuário de serviço também são usados ao longo do relatório. Embora estes tenham sido usados de forma intercambiável, utilizamos usuário do serviço quando alguém usou o serviço, mas pode não ser mais um paciente sob o serviço.


Este relatório também inclui citações de muitas outras fontes. É importante observar que essas citações podem usar linguagem e terminologia que a Revisão não usaria.


Como regra geral, o relatório mantém a linguagem dos artigos referenciados. Qualquer adaptação de uma citação para fornecer clareza é representada por colchetes.


A Revisão foi encomendada e é para o NHS na Inglaterra; no entanto, ao longo do relatório usamos os termos NHSE, NHS e UK. Isto geralmente é para alinhar com os artigos e pesquisas que estão sendo discutidos.


Resumo e recomendações

1. O objetivo desta revisão é fazer recomendações que garantam que as crianças e jovens que estão questionando sua identidade de gênero ou apresentando disforia de gênero recebam um alto padrão de atendimento. Atendimento que atenda às suas necessidades, seja seguro, holístico e eficaz. No centro estão crianças e jovens vulneráveis ​​e um serviço do NHS incapaz de lidar com a demanda.


2. No entanto, desde o início, a Revisão entrou em uma arena onde havia opiniões fortes e amplamente divergentes, não apoiadas por evidências adequadas. O ruído ao redor e o debate público cada vez mais tóxico, ideológico e polarizado tornaram o trabalho da Revisão significativamente mais difícil e não contribui em nada para atender as crianças e os jovens que podem já estar sujeitos a um significativo estresse de uma minoria.


3. Dentro deste contexto, a Revisão Independente se propôs a entender as razões para o crescimento dos encaminhamentos e a mudança na epidemiologia, e também identificar a abordagem clínica e o modelo de serviço que melhor atenderiam essa população.


4. Há visões conflitantes sobre a abordagem clínica, com expectativas por vezes longe da prática clínica habitual. Isto fez com que alguns médicos ficassem receosos em trabalhar com jovens questionando gênero, apesar de sua apresentação ser semelhante a muitas crianças e jovens que se apresentam para outros serviços do NHS.


5. Embora alguns pensem que a abordagem clínica deve ser baseada em um modelo de justiça social, o NHS trabalha de forma baseada em evidências. Enquanto navegava por um caminho através da "guerra cultural" ao redor, a Revisão tem estado cada vez mais consciente da necessidade de evidências que apoiem o seu pensamento e, em última análise, as recomendações finais feitas neste relatório.


6. Quando a Revisão começou, a base de evidências, particularmente em relação ao uso de bloqueadores de puberdade e hormônios masculinizantes/feminilizantes, já havia demonstrado ser fraca. Havia, e ainda há, muita desinformação facilmente acessível online, com lados opostos do debate apontando para pesquisas para justificar uma posição, independentemente da qualidade dos estudos.


7. Para entender a melhor maneira de apoiar crianças e jovens, a ambição da Revisão era, portanto, não apenas entender as evidências existentes, mas também melhorar a base de evidências para que os jovens, suas famílias, cuidadores e médicos que trabalham com eles tenham a melhor informação para tomar suas decisões.


8. Para examinar as evidências existentes, a Revisão encomendou um programa de pesquisa e uma revisão de evidências robustos e independentes para a Universidade de York para embasar suas recomendações e permaneceu cautelosa em seu aconselhamento enquanto aguardava as descobertas.


9. O programa de trabalho da Universidade de York mostrou que continua a haver uma falta de evidências de alta qualidade nesta área e, decepcionantemente, como se tornará claro neste relatório, as tentativas de melhorar a base de evidências foram frustradas pela falta de cooperação dos serviços de gênero para adultos.


10. Consequentemente, a Revisão teve de basear as suas recomendações nas evidências atualmente disponíveis, complementadas pelo seu próprio extenso programa de envolvimento.


11. Ouvir diretamente as pessoas com experiência vivida e médicos forneceu uma visão valiosa sobre as maneiras pelas quais os serviços são atualmente prestados e vivenciados. Isso contribuiu para a compreensão da Revisão sobre as experiências positivas de viver como pessoa trans ou de gênero diverso, bem como as incertezas, complexidades e desafios enfrentados pelas crianças, jovens, suas famílias e cuidadores, e aqueles que trabalham diretamente e indiretamente nos serviços que tentam apoiá-los.


12. Este relatório está organizado em cinco partes:

• Parte 1 - A Abordagem descreve a abordagem da Revisão ao trabalho realizado.

• Parte 2 - O Contexto explora a história dos serviços para crianças e jovens com disforia de gênero, destacando a mudança nos dados demográficos e o aumento da taxa de encaminhamento.

• Parte 3 - Compreender a coorte de pacientes estabelece o que aprendemos sobre as caraterísticas das crianças e jovens que estão buscando apoio do NHS para a incongruência de gênero e considera o que pode estar impulsionando o aumento de encaminhamentos e a mudança na variedade dos casos.

• Parte 4 - Abordagem clínica e gestão clínica analisam o que precisamos fazer para ajudar crianças e jovens a se desenvolverem: o propósito, os benefícios e os resultados esperados das intervenções clínicas no caminho, incluindo o uso de hormônios e como apoiar apresentações complexas.

• Parte 5 - O modelo de serviço considera o modelo de prestação de serviços de gênero, os requisitos da força de trabalho, os caminhos de atendimento deste serviço especializado, o desenvolvimento adicional da base de evidências e como incorporar a melhoria clínica contínua e a pesquisa.


13. No final desta Revisão, ao passo que há ainda incerteza, o seguinte permanece verdadeiro:

• Há crianças e jovens, famílias e cuidadores, todos tentando entender suas situações individuais, muitas vezes lidando com desafios e revoltas consideráveis.

• A extensão da lista de espera para acessar os serviços de gênero tem implicações significativas para essa população e para a prestação de serviços do NHS.

• Generalizações sobre crianças e jovens questionando sua identidade de gênero ou apresentando disforia de gênero são inúteis. As pessoas são indivíduos.

• O sentido de identidade dos jovens nem sempre é fixo e pode evoluir ao longo do tempo. Não deve haver hierarquia de identidade de gênero ou como este é expresso, seja social ou medicamente. Ninguém deve sentir a necessidade de invalidar a sua própria experiência pelo medo que ela reflita mal em outras identidades e escolhas.

• Embora alguns jovens possam sentir uma urgência para a transição, os jovens adultos que olham para trás para o seu eu mais jovem muitas vezes o aconselharia a ir com calma.

• Para alguns, o melhor resultado será a transição, ao passo que, para outros, sua angústia pode ser resolvida de outras maneiras. Alguns podem fazer a transição e, em seguida, desfazerem/refazerem e/ou apresentarem arrependimento. O NHS precisa cuidar de todos aqueles que buscam apoio.

• O atendimento desta população precisa ser holístico e pessoal. Ele pode incluir uma ampla gama de intervenções e serviços, alguns dos quais podem ser prestados fora dos serviços especializados do NHS.

• Ainda há diversidade de opinião sobre a melhor forma de tratar essas crianças e jovens. A evidência é fraca e os médicos nos disseram que não conseguem determinar com certeza quais crianças e jovens terão uma identidade trans duradoura.

• Muitos médicos de atendimento primário e secundário têm preocupações sobre a sua capacidade e competência para trabalhar com esta população e alguns têm medo de fazê-lo, dado o debate social ao redor.

• Nossa compreensão atual dos impactos para a saúde a longo prazo das intervenções hormonais é limitada e precisa ser mais bem compreendida.

• Os jovens tornam-se particularmente vulneráveis no momento da transferência para os serviços de adultos.


14. Quaisquer que sejam as suas opiniões sobre a identidade de gênero, não há como negar que há um número crescente de crianças e jovens que procuram apoio do NHS para problemas relacionados com o gênero. Eles devem receber a mesma qualidade de atendimento que outras crianças e jovens que apresentam angústia.


15. Uma sociedade compassiva e gentil lembra que há crianças, jovens, famílias, cuidadores e clínicos reais por trás das manchetes. A revisão acredita que cada criança e jovem que procuram ajuda do NHS devem receber o apoio de que precisam para se desenvolver.



Pontos-chave e recomendações

16. Ao considerar as questões-chave delineadas nos termos de referência, este relatório só pode definir o que é conhecido e desconhecido e pensar em como o NHS pode responder de forma segura, eficaz e compassiva, deixando algumas questões para um debate social mais amplo. No entanto, a fim de obter um entendimento tão amplo quanto possível, a Revisão baseou-se em várias fontes de informação (ver Figura 1), sustentadas por princípios científicos e clínicos básicos.


Figura 1: O que baseou a Revisão?


17. O número de crianças e jovens que se apresentam ao Serviço de Identidade de Gênero (GIDS) do NHS do Reino Unido tem aumentado ano após ano desde 2009, com um aumento exponencial em 2014.


Figura 2: Proporção entre sexos em crianças e adolescentes encaminhados ao GIDS no Reino Unido (2009-16)

Fonte: Figura adaptada de De Graaf, N. M., Giovanardi, G., Zitz, C., & Carmichael, P. (2018). Proporção entre sexos em crianças e adolescentes encaminhados ao Serviço de Desenvolvimento de Identidade de Gênero no Reino Unido (2009-2016). Archives of Sexual Behavior, 47(5), 1301-1304. https://doi.org/10.1007/s10508-018-1204-9, com permissão da Springer Nature.


18. Antes de 2009, o GIDS não atraía atenção significativa. Naquela época, o serviço atendia menos de 50 crianças por ano, com ainda menos crianças recebendo tratamento médico. No entanto, a procura sem precedentes e uma mudança nos dados demográficos dos jovens que acessam os serviços de gênero geraram uma série de questões não resolvidas, uma longa lista de espera e um modelo de serviço insustentável, que não foi criado para gerir a nova população.


19. A Revisão centrou-se na provisão futura e não examinou a provisão anterior, mas é necessário olhar para trás para avaliar plenamente o contexto que conduz às circunstâncias atuais e aprender lições relacionadas à gestão clínica anterior e atual e entender por que a mudança é necessária.


20. O GIDS foi criado em 1989. Nessa época, o serviço atendeu menos de 10 crianças por ano, predominantemente pré-púberes que nasceram do sexo masculino e o foco principal foi terapêutico, com apenas uma pequena proporção encaminhada para tratamento hormonal por volta dos 16 anos.


21. A abordagem ao tratamento mudou com o surgimento do "Protocolo Holandês", que envolveu o uso de bloqueadores de puberdade desde o início da puberdade. Em 2011, o Reino Unido testou o uso de bloqueadores de puberdade no "estudo de intervenção precoce"


22. Os resultados preliminares do estudo de intervenção precoce em 2015-2016 não demonstraram benefício. Os resultados do estudo não foram publicados formalmente até 2020, momento no qual demonstrou haver falta de resultados mensuráveis positivos. Apesar disso, a partir de 2014, os bloqueadores de puberdade passaram de um protocolo restrito à pesquisa para disponibilidade na prática clínica de rotina e foram dados a um grupo mais amplo de pacientes que não teriam cumprido os critérios de inclusão do protocolo original.


23. A adoção de um tratamento com benefícios incertos sem mais escrutínio é um afastamento significativo da prática estabelecida. Isto, em combinação com o longo atraso na publicação dos resultados do estudo, teve consequências significativas em termos das expectativas dos pacientes sobre os benefícios pretendidos e a demanda por tratamento.


24. Uma atualização planejada da especificação de serviço pelo NHS da Inglaterra em 2019 examinou as evidências publicadas sobre intervenções médicas nesta área e descobriu que elas eram fracas. Na ausência de uma base clara de evidências sobre a melhor forma de apoiar o número crescente de crianças e jovens questionadores de gênero que buscam ajuda do NHS, esta Revisão Independente foi encomendada pelo NHS da Inglaterra no outono de 2020.


Relatório interino


25. Em 2022, a Revisão publicou um relatório interino, que forneceu algum aconselhamento inicial. Ele define a importância do desenvolvimento de serviços baseados em evidências e destacou grandes lacunas e fraquezas na base de pesquisa que sustenta a gestão clínica de crianças e jovens com incongruência de gênero e disforia de gênero, incluindo as abordagens adequadas para avaliação e tratamento. Criticamente, o relatório interino destacou que pouco se sabe sobre os resultados a médio e longo prazo para crianças e jovens que recebem apoio e/ou tratamento do NHS.


26. Esta falta de evidência colocou limitações no aconselhamento que poderia ser fornecido pela Revisão. Um programa de pesquisa independente foi encomendado com o objetivo de fornecer à Revisão a melhor coleta disponível de evidências publicadas, bem como pesquisa qualitativa e quantitativa para preencher lacunas de conhecimento.


27. O programa de pesquisa, liderado pela Universidade de York, abrangeu a avaliação das evidências e diretrizes publicadas, uma pesquisa internacional, e pesquisa quantitativa e qualitativa. Um Grupo Clínico de Especialistas (CEG) foi estabelecido pela Revisão para ajudar a interpretar os resultados.


28. Este relatório final fornece detalhes completos da abordagem e metodologia de pesquisa utilizados pela equipe de pesquisa e uma síntese dos achados juntamente com a interpretação do que significam para a Revisão. As revisões sistemáticas revisadas por pares foram publicadas juntamente com este relatório.


29. Além da pesquisa formal, um extenso programa de engajamento embasou a Revisão. Foi adotada uma abordagem de métodos mistos que priorizou a contribuição de pessoas com experiência vivida relevante e organizações que trabalham com jovens LGBTQ ou crianças e jovens em geral, e médicos e outros profissionais responsáveis por fornecer atendimento e apoio a crianças e jovens dentro de serviços especializados de gênero e além.


Compreendendo a coorte de pacientes

30. A Revisão explorou as razões para o aumento de encaminhamentos e por que esse aumento tem sido observado desproporcionalmente em pessoas que nasceram do sexo feminino se apresentando na adolescência, e as implicações disto para o serviço.


31. Trata-se de uma coorte diferente daquela estudada por estudos anteriores. Entre os encaminhamentos, há maior complexidade de apresentação com altos níveis de neurodiversidade e/ou problemas de saúde mental concomitantes e maior prevalência do que na população geral de experiências adversas na infância e crianças sob cuidados. O aumento de encaminhamentos e mudança na variedade de casos também estão sendo observados internacionalmente.


32. Compreender quem está acessando serviços embasa uma abordagem clínica apropriada. Portanto, para obter um entendimento completo, a Revisão examinou o que se sabe sobre a natureza e as causas da incongruência e disforia de gênero. Isso vai para o centro de algumas das principais controvérsias nesta área.


33. A incapacidade de considerar ou debater as razões subjacentes à mudança na população de pacientes levou as pessoas a assumir diferentes posições sobre como responder às crianças e aos jovens no centro do debate, sem discussão fundamentada sobre o que levou à sua experiência e angústia relacionada ao gênero.


34. Há amplo consenso de que a incongruência de gênero, como muitas outras caraterísticas humanas, surge de uma combinação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais.


35. Uma explicação comum apresentada é que o aumento na apresentação se deve a uma maior aceitação. Embora certamente pareça ser o caso de que há uma aceitação muito maior das identidades trans, particularmente entre as gerações mais jovens, o que pode ser responsável por parte do aumento dos números; a mudança exponencial nos encaminhamentos ao longo de um período particularmente curto de cinco anos é muito mais rápida do que seria esperado para a evolução normal da aceitação de um grupo minoritário. Isso também não explica adequadamente a mudança de de pessoas que nasceram do sexo masculino para pessoas que nasceram do sexo feminino, o que é diferente das apresentações trans em qualquer período histórico anterior.


36. Existem diferentes questões envolvidas na consideração do atendimento de gênero para crianças e jovens do que para adultos. Crianças e jovens estão em uma trajetória de desenvolvimento que continua até meados dos 20 anos e isso precisa ser considerado ao pensar sobre os determinantes da incongruência de gênero. Uma compreensão do desenvolvimento cerebral e das tarefas habituais de desenvolvimento na adolescência é essencial para compreender como o desenvolvimento da identidade de gênero se relaciona com os outros aspectos do desenvolvimento do adolescente.


37. Esse grupo de jovens também deve ser considerado no contexto de um grupo mais amplo de adolescentes com apresentações complexas que buscam ajuda do NHS. Houve um aumento substancial nas taxas de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes em todo o Reino Unido na última década, com o aumento da ansiedade e depressão sendo mais evidente em adolescentes e um aumento nos jovens apresentando outras manifestações corporais de angústia; por exemplo, distúrbios alimentares, tiques e transtorno dismórfico corporal.


38. Pesquisas sugerem que a expressão de gênero é determinada provavelmente por uma combinação variável de fatores como predisposição biológica, experiências na primeira infância, sexualidade e expectativa de puberdade. Para alguns, é difícil se libertar das dificuldades com a saúde mental.

O impacto de uma variedade de influências sociais e estressores contemporâneos (incluindo a experiência on-line) permanece incerto. A influência dos pares também é muito poderosa durante a adolescência, assim como diferentes perspectivas geracionais.


39. Pragmaticamente, as explicações acima para as mudanças observadas na população são provavelmente todas verdadeiras em maior ou menor grau, mas para cada indivíduo uma combinação diferente de fatores será aplicada.


40. Trata-se de um grupo heterogêneo, com amplas apresentações, muitas vezes incluindo necessidades complexas que se estendem além da angústia relacionada ao gênero e isso precisa ser refletido nos serviços oferecidos pelo NHS.


41. Muitas vezes, esta coorte é considerada um grupo homogêneo para o qual há uma única causa e uma abordagem de tratamento ideal, mas esta é uma simplificação excessiva da situação. Ser questionador de gênero ou ter uma identidade trans significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Entre aqueles que estão sendo encaminhados para os serviços de gênero de crianças e jovens, alguns podem se beneficiar de intervenção médica e outros não. A abordagem clínica deve refletir isso.


42. Trabalhar neste processo de desenvolvimento em várias camadas leva tempo, e o papel da equipe clínica é ajudar o jovem a abordar algumas dessas questões para que possa entender melhor sua identidade de gênero e avaliar as opções disponíveis para ele.


Abordagem e gerenciamento clínico

43. Os médicos têm uma variedade de pontos de vista sobre o cuidado e o tratamento de crianças e jovens que questionam o gênero, e muitos ficam confusos sobre qual é a melhor abordagem. Há visões diferentes sobre o que os jovens querem e precisam; por exemplo, os jovens nos disseram que precisam de espaço e tempo para explorar, e também que o questionamento parece intrusivo. Alguns pais sentem que é necessário menos questionamento, ao passo que outros pensam que o processo não é detalhado o suficiente.


44. A Revisão buscou compreender melhor as diferentes abordagens e gerenciamento clínico, inclusive através de um procedimento padronizado para avaliação de diretrizes clínicas internacionais (realizado pela equipe de pesquisa da Universidade de York).


45. Os achados levantam questões sobre a qualidade das diretrizes atualmente disponíveis. A maioria das diretrizes não seguiu os padrões internacionais de desenvolvimento de diretrizes, e por causa disso a equipe de pesquisa só poderia recomendar duas diretrizes para a prática - a diretriz finlandesa publicada em 2020 e a diretriz sueca publicada em 2022.


46. No entanto, mesmo estas diretrizes não têm recomendações claras sobre certos aspectos da prática e teriam benefício se fornecessem orientações mais detalhadas sobre como implementar recomendações.


47. A World Professional Association of Transgender Healthcare (WPATH) tem sido altamente influente na orientação da prática internacional, embora tenha sido observado pelo processo de avaliação da Universidade de York que falta rigor de desenvolvimento nas suas diretrizes.


48. As primeiras versões de duas diretrizes internacionais - a Sociedade Endócrina 2009 e o WPATH 7 - influenciaram quase todas as outras diretrizes, exceto as diretrizes nórdicas recentes.


49. Dada a falta de diretrizes baseadas em evidências, é imperativo que os funcionários que trabalham dentro dos serviços de gênero do NHS estejam cientes das limitações em relação à base de evidências e compreendam plenamente o conhecido e o desconhecido.


Avaliação

50. O relatório interino informou que é necessária uma estrutura de avaliação embasada no desenvolvimento, para evitar inconsistências e lacunas no processo de avaliação, com clara responsabilidade e orientação para os diferentes componentes do processo a nível primário, secundário e terciário.


51. Apesar do acordo dentro das diretrizes internacionais sobre a necessidade de uma equipe multidisciplinar, e algumas semelhanças entre elas nas áreas exploradas durante o processo de avaliação, o problema mais marcante é a falta de consenso sobre o objetivo do processo de avaliação.


52. Em resposta a estes resultados, a Revisão solicitou ao seu CEG que desenvolvesse um consenso sobre o objetivo e a abordagem da avaliação.


53. Ciente da inconsistência na pesquisa publicada e da complexidade das apresentações, o CEG trabalhou para desenvolver uma estrutura holística de avaliação de necessidades. O seu objetivo é obter uma formulação multinível levando a um plano de atendimento individual que apoie o desenvolvimento amplo do bem-estar e do funcionamento da criança/jovem. Isto é consistente com abordagens para adolescentes com outras apresentações multifacetadas complexas.


54. Ao realizar uma avaliação, será importante que os médicos estejam cientes de que as apresentações, caminhos e resultados para esta coorte são muito individuais, e o foco precisa ser em ajudar cada pessoa a encontrar o melhor caminho para ela. As avaliações devem respeitar a experiência do indivíduo e serem baseadas no desenvolvimento.


Recomendação 1:

Dada a complexidade desta população, estes serviços devem funcionar de acordo com os mesmos padrões que outros serviços que atendem crianças e jovens com apresentações complexas e/ou fatores de risco adicionais. Deve haver um médico indicado (pediatra/psiquiatra infantil) que assuma a responsabilidade clínica geral pela segurança do paciente dentro do serviço.


Recomendação 2:

Os médicos devem aplicar a estrutura de avaliação desenvolvida pelo Grupo de Especialistas Clínicos da Revisão, para garantir que as crianças/jovens encaminhados aos serviços de gênero do NHS recebam uma avaliação holística de suas necessidades para basear um plano de atendimento individualizado. Isto deve incluir a triagem para condições de neurodesenvolvimento, incluindo transtorno do espectro autista, e uma avaliação de saúde mental. A estrutura deve ser mantida sob revisão e evoluir para refletir evidências que forem surgindo.


Diagnóstico

55. A Revisão tem ouvido visões mistas sobre como os jovens percebem o valor de um diagnóstico de disforia de gênero. Muitos jovens não se veem como apresentando uma condição médica e alguns podem sentir que isso prejudica sua autonomia e direito à autodeterminação. Outros veem o diagnóstico como uma validação e o consideram importante ao buscar tratamento hormonal.


56. Alguns usuários e defensores do serviço veem uma extensa exploração de outras condições e diagnósticos como uma tentativa de encontrar "qualquer outra razão" para a angústia da pessoa que não seja a condição trans.


57. Existem várias razões pelas quais a listagem de todos os diagnósticos formais relevantes é importante para este grupo de crianças e jovens:

• Para fornecer o melhor atendimento baseado em evidências, é importante que o médico considere todos os diagnósticos possíveis (às vezes múltiplos) que podem estar impedindo o bem-estar e a capacidade do jovem de se desenvolver.

• O médico assume a responsabilidade pela avaliação, recomendações de tratamento subsequentes e qualquer dano que possa ser causado a um paciente sob seus cuidados. Ele precisa definir da forma mais clara e reproduzível possível exatamente qual condição ele está tratando para ser responsável por suas decisões sobre as opções oferecidas ao paciente. Se ele está oferecendo tratamentos médicos potencialmente irreversíveis a um paciente, é importante especificar se o paciente atende a critérios diagnósticos formais para disforia de gênero ou quaisquer outras condições.

• Por fim, a revisão sistemática encomendada pela Revisão demonstrou que outros diagnósticos dentro do grupo não foram consistentemente documentados, e para melhor compreender e apoiar esses jovens é essencial que todos os diagnósticos sejam sistematicamente registrados para finalidade clínica e de pesquisa.


58. Embora um diagnóstico de disforia de gênero tenha sido visto como necessário para iniciar o tratamento médico, ele não é um preditor confiável de se este jovem terá incongruência de gênero de longo prazo no futuro, nem se a intervenção médica será a melhor opção para ele. Compreender como a angústia relacionada com o gênero evoluiu num indivíduo em particular, quais outros fatores podem estar contribuindo, e as necessidades e preferências do indivíduo para o tratamento são igualmente importantes.


59. Também é importante garantir que haja um foco no funcionamento, no bem-estar geral e na resiliência, para garantir que a criança/jovem seja capaz de tomar decisões ponderadas sobre o seu caminho futuro.


Plano de atendimento individualizado

60. Historicamente, o modelo de atendimento a crianças e jovens que apresentam incongruência ou angústia de gênero foi inteiramente baseado em um modelo psicossocial, com intervenções médicas sendo introduzidas mais recentemente. A maioria das equipes clínicas ainda vê as intervenções psicossociais como ponto de partida em uma via assistencial.


61. A controvérsia em torno do uso de tratamentos médicos desviou o foco do que o atendimento e tratamento do indivíduo visam alcançar, tanto para crianças quanto para jovens como para a população em geral.


62. A Revisão manteve em seu cerne a preocupação de que os médicos estão lidando com um grupo de crianças e jovens que, frequentemente - embora nem sempre - estarão em um estado de considerável angústia no momento em que se apresentarem ao NHS, e muitas vezes terão múltiplas necessidades não atendidas.


63. Deve haver uma abordagem escalonada para qualquer pacote de intervenção que:

• aborde risco urgente;

• reduza a angústia e os problemas de saúde mental associados e os estressores psicossociais, de forma que o jovem possa funcionar e tomar decisões complexas;

• codesenvolva um plano para abordar as questões de gênero, o qual pode envolver qualquer combinação de intervenções sociais, psicológicas e físicas.


64. Deve haver uma distinção para a abordagem adotada às crianças pré e pós-púberes ao considerar as intervenções mais adequadas. Isto é de particular importância em relação à transição social, que pode não ser pensada como uma intervenção ou tratamento porque é algo que geralmente acontece em casa, online ou na escola e não dentro dos serviços de saúde.


65. O objetivo central é ajudar os jovens a se desenvolverem e a atingirem seus objetivos de vida. O objetivo imediato do plano de cuidados e tratamento deve ser abordar a angústia, se isso fizer parte da apresentação da criança/jovem, e quaisquer barreiras à participação na vida cotidiana (por exemplo, comunidade escolar ou atividades sociais).


66. Para a maioria dos jovens, um caminho médico pode não ser a melhor forma de abordar isto. Para os jovens para os quais um caminho médico é clinicamente indicado, não é suficiente fornecê-lo sem também abordar problemas de saúde mental mais amplos e/ou psicossocialmente desafiadores, como a desintegração familiar, as barreiras para participação na vida escolar ou atividades sociais, o bullying e o estresse de minoria.


Intervenções psicológicas

67. A revisão sistemática das intervenções psicossociais constatou que, com a baixa qualidade dos estudos, pouco registro dos detalhes da intervenção e a ampla variação nos tipos de intervenções investigadas, não foi possível determinar como diferentes intervenções foram eficazes para crianças e jovens que vivenciaram angústia de gênero.


68. Apesar disso, sabemos que muitas terapias psicológicas têm uma boa base de evidências para o tratamento na população geral de condições que são comuns neste grupo, como depressão e ansiedade. É por isso que é tão importante compreender toda a gama de necessidades e garantir que esses jovens tenham acesso às mesmas intervenções úteis e baseadas em evidências que outros jovens.


69. Além de tratar as condições coexistentes, o foco no uso de bloqueadores de puberdade para o tratamento da angústia relacionada ao gênero ofuscou a possibilidade de que outros tratamentos baseados em evidências possam ser mais eficazes. A intenção da intervenção psicossocial não é mudar a percepção da pessoa de quem ela é, mas trabalhar com ela para explorar suas preocupações e experiências e ajudar a aliviar sua angústia, independentemente de o jovem, subsequentemente, seguir um caminho médico ou não.


70. O papel das abordagens terapêuticas precisa ser compreendido e os dados e informações devem ser coletados sobre a aplicabilidade das abordagens para a angústia relacionada ao gênero e quaisquer condições concomitantes. Isso começará a trazer a compreensão da eficácia dos tratamentos de acordo com aqueles usados rotineiramente para outras crianças e jovens em sofrimento.


Transição social

71. Não há uma definição única de transição social, mas é amplamente entendido como se referindo a mudanças sociais para viver como um gênero diferente, como alterar cabelo ou roupas, mudança de nome e/ou uso de pronomes diferentes.


Recomendação 3:

As abordagens padrão baseadas em evidências de tratamento psicológico e psicofarmacológico devem ser usadas para apoiar o tratamento da angústia associada e condições concomitantes. Isso deve incluir apoio aos pais/cuidadores e irmãos, conforme apropriado.


72. Há um espectro de jovens - desde aqueles que fazem mudanças relativamente limitadas na aparência devido à não conformidade de gênero até aqueles que podem ter transicionado socialmente plenamente desde muito jovens e podem estar vivendo em sigilo [“living in stealth” - termo usado para descrever uma pessoa que vive como se fosse uma pessoa do gênero com o qual se identifica, sem as outras pessoas saberem que seu gênero é diferente do sexo de nascimento].


73. Uma das principais diferenças entre crianças e adolescentes é que as atitudes e crenças dos pais terão um impacto sobre se a criança transiciona socialmente. Para adolescentes, a exploração é um processo normal, e estereótipos binários rígidos de gênero podem ser inúteis.


74. Existem diferentes visões sobre os benefícios versus os danos da transição social precoce. Alguns consideram que pode melhorar a saúde mental para crianças que sofrem de angústia relacionada com o gênero, enquanto outros consideram que torna mais provável que a disforia de gênero de uma criança, que poderia ter resolvido na puberdade, tenha uma trajetória potencialmente alterada, culminando em uma intervenção médica irreversível.


75. No Reino Unido e internacionalmente, agora a norma para muitas crianças e jovens é se apresentar a clínicas de gênero já tendo passado por uma transição social total ou parcial.


76. A revisão sistemática não mostrou nenhuma evidência clara de que a transição social na infância tenha quaisquer resultados positivos ou negativos de saúde mental, e evidência relativamente fraca para qualquer efeito na adolescência. No entanto, aqueles que tinham transitado socialmente em uma idade mais precoce e/ou antes de serem atendidos na clínica eram mais propensos a prosseguir para um caminho médico.


77. Embora não seja possível saber a partir desses estudos se a transição social mais precoce foi causadora deste desfecho, lições de estudos de crianças com diferenças no desenvolvimento sexual (DSD) mostram que uma interação complexa entre os níveis de andrógeno pré-natal, genitália externa, sexo de criação e ambiente sociocultural desempenham um papel na identidade de gênero final.


78. Portanto, o sexo de criação parece ter alguma influência no desfecho de gênero final, e é possível que a transição social na infância possa alterar a trajetória do desenvolvimento da identidade de gênero para crianças com incongruência precoce de gênero.


79. O médico deve ajudar as famílias a reconhecer a variação normal do desenvolvimento no comportamento e expressão do papel de gênero. Evitar decisões prematuras e considerar a transição parcial em vez de completa pode ser uma forma de garantir flexibilidade e manter as opções abertas até que a trajetória de desenvolvimento se torne mais clara.


Recomendação 4:

Quando as famílias/cuidadores estão tomando decisões sobre a transição social das crianças pré-púberes, os serviços devem garantir que elas possam ser consultadas o mais cedo possível por um profissional clínico com experiência relevante.


Caminhos médicos

80. A justificativa original para o uso de bloqueadores de puberdade era que se ganharia "tempo para pensar" atrasando o início da puberdade e também melhoraria a capacidade de "passar” (se parecer com o sexo oposto) na vida futura. Posteriormente, foi sugerido que eles também podem melhorar a imagem corporal e o bem-estar psicológico.


81. A revisão sistemática realizada pela Universidade de York encontrou vários estudos demonstrando que os bloqueadores de puberdade exercem seu efeito pretendido na supressão da puberdade, e também que a densidade óssea fica comprometida durante a supressão da puberdade.


82. No entanto, não foram demonstradas alterações na disforia de gênero ou na satisfação corporal. Não houve evidência suficiente/consistente sobre os efeitos da supressão da puberdade no bem-estar psicológico ou psicossocial, desenvolvimento cognitivo, risco cardiometabólico ou fertilidade.


83. Além disso, dado que a grande maioria dos jovens que iniciaram os bloqueadores da puberdade passa de bloqueadores de puberdade para hormônios masculinizantes/feminilizantes, não há evidências de que os bloqueadores de puberdade façam o jovem ganhar tempo para pensar, e algumas evidências mostram preocupações de que eles possam mudar a trajetória do desenvolvimento psicossexual e da identidade de gênero.


84. A carta da Revisão ao NHS da Inglaterra (julho de 2023) aconselhou que, como os bloqueadores de puberdade só têm benefícios claramente definidos em circunstâncias bastante limitadas, e devido aos riscos potenciais para o desenvolvimento neurocognitivo, desenvolvimento psicossexual e saúde óssea a longo prazo, eles só devem ser oferecidos sob um protocolo de pesquisa. Isto foi levado adiante pelo NHS da Inglaterra e pelo National Institute for Health and Care Research (NIHR).


85. A Universidade de York também realizou uma revisão sistemática dos resultados dos hormônios masculinizantes/feminilizantes. Em geral, os autores concluíram que "Há uma falta de pesquisa de alta qualidade avaliando os resultados das intervenções hormonais em adolescentes com disforia/incongruência de gênero, e há poucos estudos que fazem acompanhamento a longo prazo. Não é possível tirar conclusões sobre o efeito na disforia de gênero, satisfação corporal, saúde psicossocial, desenvolvimento cognitivo ou fertilidade. A incerteza permanece sobre os desfechos para estatura/crescimento, saúde cardiometabólica e óssea. Há evidências sugestivas, principalmente de pré-pós estudos, de que o tratamento hormonal pode melhorar a saúde psicológica, embora sejam necessárias pesquisas robustas com acompanhamento a longo prazo".


86. Tem sido sugerido que o tratamento hormonal reduz o risco elevado de morte por suicídio nesta população, mas a evidência encontrada não corroborou essa conclusão.


87. A porcentagem de pessoas tratadas com hormônios que posteriormente destransicionaram permanece desconhecida devido à falta de estudos de acompanhamento a longo prazo, embora haja sugestão de que os números estejam aumentando.


88. Um problema que se tornou cada vez mais evidente à medida que a Revisão progrediu é que a pesquisa sobre intervenções psicossociais e resultados a longo prazo para aqueles que não acessam vias endócrinas é tão fraca quanto a pesquisa sobre tratamento endócrino. Isso deixa uma grande lacuna em nosso conhecimento sobre a melhor forma de apoiar e ajudar a crescente população de jovens com angústia relacionada ao gênero no contexto de apresentações complexas.


Resultados em longo prazo

89. Uma das maiores dificuldades no planejamento e avaliação dos serviços de identidade de gênero para crianças e jovens é a evidência muito limitada sobre os resultados a longo prazo para as pessoas que acessaram o GIDS.


90. Quando os médicos falam com os pacientes sobre quais intervenções podem ser melhores para eles, eles geralmente se referem aos benefícios e riscos a longo prazo das diferentes opções, com base em dados de resultados de outras pessoas que passaram por um caminho de atendimento semelhante. Esta informação não está atualmente disponível para intervenções em crianças e jovens com incongruência de gênero ou disforia de gênero, então os jovens e as suas famílias têm de tomar decisões sem um panorama adequado dos potenciais impactos e resultados.


91. Uma vertente de investigação encomendada pela Revisão foi um estudo quantitativo de vinculação de dados. O objetivo deste estudo foi preencher algumas das lacunas nos dados de acompanhamento para cerca de 9000 jovens que passaram pelo GIDS. Isso ajudaria a desenvolver uma base de evidências mais forte sobre os tipos de apoio e intervenções recebidas e os resultados a longo prazo. Isto exigiu a cooperação do GIDS e dos serviços de gênero para adultos do NHS.


92. Em janeiro de 2024, a Revisão recebeu uma carta do NHS da Inglaterra afirmando que, apesar dos esforços para incentivar a participação das clínicas de gênero do NHS, a cooperação necessária não foi próxima.


93. Este estudo quantitativo representa uma oportunidade única de fornecer evidências adicionais para ajudar os jovens, seus pais/cuidadores e os médicos que trabalham com eles a tomar decisões esclarecidas sobre o caminho certo para eles.


94. Embora a pesquisa retrospectiva nunca seja tão robusta quanto a pesquisa prospectiva, levaria no mínimo 10-15 anos para extrair os dados de acompanhamento necessários.


95. A NHS da Inglaterra declarou um compromisso em realizar as ambições do estudo de vinculação de dados para além da vida da Revisão e a Revisão detalhou a experiência da Universidade de York em tentar avançar o estudo.


Recomendação 5:

O NHS da Inglaterra, que trabalha com o DHSC, deve orientar as clínicas de gênero a participar do estudo de vinculação de dados durante o tempo de vida do atual instrumento estatutário. O Conselho de Supervisão de Pesquisa da NHS da Inglaterra deve assumir a responsabilidade de interpretar os resultados da pesquisa.


Desafios na tomada de decisão clínica

96. Uma das principais áreas de controvérsia na prestação de serviços de gênero para crianças e jovens é o uso de tratamentos hormonais para disforia de gênero. Ao desenvolver sua visão para o novo serviço, a Revisão considerou a questão do consentimento, cujos desafios foram fortemente trazidos à luz pelo caso Bell vs Tavistock.


97. As responsabilidades da Revisão Judicial não poderiam ser estendidas para além da questão da capacidade e da competência de consentimento. No entanto, o consentimento é mais do que apenas capacidade e competência. Requer que os médicos garantam que a intervenção proposta seja clinicamente indicada, pois têm o dever de oferecer um tratamento adequado. Também requer que o paciente receba informações adequadas e suficientes sobre os riscos, benefícios e resultados esperados do tratamento.


98. Avaliar se um caminho hormonal é indicado é um desafio. Um diagnóstico formal da disforia de gênero é frequentemente citado como um pré-requisito para o acesso ao tratamento hormonal. Entretanto, ele não é um preditor confiável de se este jovem terá incongruência de gênero de longo prazo no futuro, nem se a intervenção médica será a melhor opção para ele.


99. Além disso, a base fraca de evidências dificulta o fornecimento de informações adequadas sobre as quais um jovem e sua família possam fazer uma escolha esclarecida.


100. Uma fonte confiável de informações é necessária sobre todos os aspectos da assistência médica, mas em particular é importante neutralizar/gerenciar as expectativas que foram construídas por alegações sobre a eficácia dos bloqueadores de puberdade.


101. Embora os jovens muitas vezes expressem um senso de urgência em seu desejo de acessar tratamentos médicos, com base em experiência pessoal, alguns jovens adultos sugeriram que demorar um pouco mais para explorar as opções é preferível. A opção de fornecer hormônios masculinizantes/feminilizantes a partir dos 16 anos de idade está disponível, mas a Revisão recomendaria uma abordagem clínica extremamente cautelosa e uma forte justificativa clínica para fornecer hormônios antes dos 18 anos de idade. Isto manteria as opções abertas durante essa importante janela de desenvolvimento, dando tempo para o gerenciamento de quaisquer condições concomitantes, construção de resiliência e preservação da fertilidade, se necessário.


102. A conclusão geral das evidências apresentadas nesta Revisão é que o protocolo de pesquisa sobre bloqueador de puberdade, que já está em desenvolvimento, precisa ser uma parte de um programa de pesquisa muito mais amplo que busca construir as evidências sobre todas as possíveis intervenções e determinar a forma mais eficaz de apoiar essas crianças e jovens.


Recomendação 6:

A base de evidências que sustenta intervenções médicas e não médicas nesta área clínica precisa ser melhorada. Seguindo nossa recomendação anterior para estabelecer um teste de bloqueador de puberdade, que foi levado adiante pelo NHS da Inglaterra, recomendamos ainda que seja estabelecido um programa completo de pesquisa. Este deve analisar as caraterísticas, intervenções e resultados de cada jovem que apresenta aos serviços de gênero do NHS.

• O estudo de bloqueadores da puberdade deve fazer parte de um programa de pesquisa que também avalia os resultados de intervenções psicossociais e hormônios masculinizantes/feminilizantes.

• O consentimento deve ser buscado rotineiramente para todas as crianças e jovens para inclusão em um estudo de pesquisa com acompanhamento na idade adulta.


Recomendação 7:

A incongruência de gênero de longa data deve ser um pré-requisito essencial para o tratamento médico, mas é apenas um aspecto na decisão se um caminho médico é a opção certa para um indivíduo.


Recomendação 8:

O NHS da Inglaterra deve rever a política de hormônios masculinizantes/feminilizantes. A opção de fornecer hormônios masculinizantes/feminilizantes a partir dos 16 anos de idade está disponível, mas a Revisão recomendaria extrema cautela. Deve haver um racional clínico claro para fornecer hormônios nesta fase, em vez de esperar até que o indivíduo atinja 18 anos.


Recomendação 9:

Cada caso considerado para tratamento médico deve ser discutido em uma Time Multidisciplinar (MDT) nacional hospedado pelo Fornecedor Nacional Colaborativo substituindo o Grupo Multiprofissional de Revisão (MPRG).


Recomendação 10:

A todas as crianças deve ser oferecido aconselhamento e preservação de fertilidade antes de seguirem para um caminho médico.


Modelo de serviço

103. Desde que recebeu o relatório interino da Revisão, o NHS da Inglaterra tomou medidas para aumentar a capacidade, estabelecendo dois novos serviços liderados por hospitais infantis especializados. Este é o primeiro passo no comissionamento de uma rede de serviços regionais em todo o país.


104. A Revisão esperava aprender com esses serviços interinos. Em vez disso, ela ganhou uma visão dos consideráveis desafios enfrentados em seu estabelecimento dentro de uma arena altamente emotiva e politizada. Isto, aliado às preocupações com a fraqueza da base de evidências e a falta de orientação profissional, impactou a capacidade dos novos serviços de recrutar a força de trabalho multidisciplinar adequada.


105. A Revisão aprecia os primeiros passos que o NHS da Inglaterra tomou para estabelecer um modelo regional de cuidados, mas sustenta que é necessário um modelo distribuído de atendimento para atender à demanda atual e fornecer uma abordagem holística, localizada e oportuna mais adequada para cuidar de crianças e jovens que precisam de apoio.


106. Os serviços não devem ser localizados apenas em centros terciários e um modelo de serviço com base muito mais ampla é necessário, com uma força de trabalho flexível trabalhando em uma trilha regional em parceria com serviços locais. Modelos de atendimento que prestam um serviço clínico em vários locais têm potencial para manter o acesso geográfico aos serviços, melhorando a qualidade do atendimento e otimizando o uso da força de trabalho.


107. Os modelos de Rede Clínica e Múltiplos Centros proporcionam uma melhor continuidade do atendimento, mais perto de casa, e a capacidade de as crianças e os jovens se deslocarem mais facilmente entre os componentes do serviço em seu próprio ritmo. Eles também permitem que a mão-de-obra seja compartilhada em toda a rede sem desestabilizar os serviços locais e abordam alguns dos desafios de recrutamento enfrentados tanto pelo GIDS como pelos novos profissionais de saúde.


108. O estabelecimento de um Colaborativo de Provedores Nacional deve garantir que os centros regionais operem de acordo com padrões e procedimentos operacionais compartilhados, desenvolvendo protocolos para avaliação e tratamento. O Colaborativo deve ter um papel na supervisão da ética, treinamento e desenvolvimento profissional, dados e auditoria, melhoria da qualidade e requisitos de pesquisa, bem como fornecer um fórum para a discussão de casos complexos. O objetivo é que não importa onde no país a criança/jovem seja consultada, ela receberá os mesmos altos padrões de cuidados baseados em evidências.


109. Além da de uma Rede Nacional de Prestadores única, cada Centro Regional deve trabalhar com serviços locais dentro de sua região como uma Rede de Entrega Operacional (ODN) formalizada. Estas redes formalizadas e o aumento do número de prestadores devem permitir que o atendimento e o risco sejam ativamente gerenciados em diferentes níveis de acordo com a necessidade, reduzindo os tempos de espera para atendimento especializado.


110. Este modelo também apoiará a integração entre diferentes serviços infantis e facilitará o acesso antecipado aos serviços locais ao longo de caminhos flexíveis que melhor respondam às necessidades individuais. Em geral, esse modelo deve melhorar a experiência de atendimento para crianças e jovens questionando sua identidade de gênero.


111. Os novos serviços regionais devem estabelecer o Colaborativo de Provedores Nacional sem demora e desenvolver rapidamente suas redes, utilizando as relações locais existentes em primeira instância para acelerar a prestação de serviços. Esta abordagem funcionaria como um trampolim para, em última instância, desenvolver as habilidades de todos os serviços de nível secundário para fornecer a avaliação e o apoio psicológico a estas crianças e jovens, com a intervenção médica permanecendo no nível terciário.


Recomendação 11:

O NHS da Inglaterra e os prestadores de serviços devem trabalhar para desenvolver as redes regionais de serviços multicêntricos o mais rapidamente possível. Isso pode ser baseado em um modelo de provedor líder, onde o NHS da Inglaterra delegou a responsabilidade dos serviços regionais para subcontratar localmente aos provedores em sua região.


Recomendação 12:

O Colaborativo de Provedores Nacional deve ser estabelecido sem demora.


Força de trabalho

112. A Revisão reconhece que as deficiências da força de trabalho são um dos aspectos mais desafiadores da prestação desse serviço.


113. Dentro do modelo de atendimento existente, a grande maioria das crianças e jovens questionadores de gênero que buscam ajuda do NHS foram encaminhados para uma força de trabalho altamente especializada que trabalha exclusivamente no atendimento de gênero. Um número menor é apoiado com sucesso nos Serviços Locais de Saúde Mental da Criança e do Adolescente (CAMHS) ou nos serviços pediátricos. Essa abordagem teve a consequência indesejada de desqualificar o restante da força de trabalho e gerar listas de espera incontrolavelmente longas.


114. Dado o número crescente de jovens de gênero diverso e questionadores de gênero, é importante que toda a equipe clínica possa apoiá-los numa série de contextos em todo o NHS. É igualmente importante que os profissionais que estão envolvidos em seus cuidados contínuos tenham habilidades amplas em saúde física e mental do adolescente para que os jovens sejam tratados de forma holística e não apenas com base em sua apresentação de gênero.


115. De acordo com a prática internacional, os Centros Regionais precisarão de uma ampla força de trabalho multiprofissional. As habilidades dos que trabalham dentro do serviço precisam refletir as necessidades amplas e variadas deste grupo heterogêneo e o serviço precisa incluir a combinação de habilidades adequada para apoiar tanto indivíduos para os quais a intervenção médica é clinicamente indicada quanto aqueles para os quais não é.


116. Esta força de trabalho deve incluir psiquiatras, pediatras, psicólogos, psicoterapeutas, especialistas em enfermagem clínica, assistentes sociais, especialistas em autismo e outras apresentações neurodiversas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e, para o subgrupo para o qual o tratamento médico pode ser considerado apropriado, endocrinologistas e especialistas em fertilidade. O cuidado social também deve ser incorporado e deve haver experiência na proteção e apoio para crianças e crianças que tenham sofrido trauma.


117. Ao delinear o modelo de serviço futuro, para aumentar a força de trabalho disponível sem esgotar outras áreas de serviço, a Revisão descreveu uma equipe flexível e multicêntrica que trabalha sob contratos conjuntos que suportam flexibilidade.


120. Os funcionários devem manter uma perspectiva clínica ampla, trabalhando em serviços não relacionados de gênero dentro do centro terciário e entre centros terciários e secundários, a fim de incorporar o atendimento de crianças e jovens com angústia relacionada ao gênero dentro de um contexto mais amplo de saúde infantil e adolescente. Isso tem os benefícios adicionais de não desestabilizar os serviços existentes, apoiar a continuidade e a conexão e democratizar o conhecimento.


118. Esta é uma área altamente desafiadora, complexa e emotiva para se trabalhar. Aqueles que trabalham com este grupo devem ter supervisão e apoio profissional para fornecer um local para explorar sua própria abordagem e a variedade de emoções que podem sentir. Deve haver processos formais para levantar preocupações que estejam fora da supervisão imediata. Isso também deve apoiar a consistência na abordagem e melhorar a retenção da força de trabalho.


119. O Colaborativo de Provedores Nacional também deve explorar a execução de fóruns estruturados onde todos os funcionários, clínicos e não clínicos, se reúnem regularmente para discutir os aspectos emocionais e sociais do trabalho dentro do serviço - apoiando a equipe, fornecendo um lugar seguro para levantar problemas.


Recomendação 13:

Para aumentar a força de trabalho disponível e manter uma lente clínica mais ampla, os contratos conjuntos devem ser utilizados para apoiar a equipe a trabalhar em toda a rede e em diferentes serviços.


Recomendação 14:

O NHS da Inglaterra, através da sua função de Treinamento e Educação de Força de Trabalho, deve garantir que os requisitos para esta área de serviço sejam incorporados no planejamento geral da força de trabalho para serviços de adolescentes.


Treinamento e educação

120. Há uma falta de confiança entre a força de trabalho mais ampla para se envolver com crianças e adolescentes questionadores de gênero. Muitos médicos que trabalham com crianças e jovens têm habilidades e conhecimentos transferíveis, mas há a necessidade de que todos os médicos em todo o NHS recebam um melhor treinamento sobre como trabalhar de forma sensível e eficaz com jovens trans, não binários e questionadores de gênero.


121. Os médicos que trabalham com crianças, jovens e famílias/cuidadores precisarão ter as habilidades necessárias para engajar com competência famílias/cuidadores de uma ampla gama de origens, e estar cientes e informados da gama de prioridades que os jovens e seus pais/cuidadores podem apresentar aos serviços.


122. Os jovens disseram à Revisão que querem que os médicos os escutem, respeitem a forma como se sentem e os apoiem ao trabalhar seus sentimentos e opções. Eles esperam que os médicos mostrem compaixão, compreensão e validação e os tratem como um indivíduo.


123. Os programas de formação devem seguir a prática em outras áreas de serviços (por exemplo, salvaguarda), onde o nível de competência e as necessidades de formação dependem da equipe e da área clínica.


124. Um consórcio das Faculdades Médicas Reais relevantes e órgãos profissionais deve desenvolver um quadro de competências e habilidades compartilhadas relevantes para todos os funcionários de atendimento clínico e social que trabalham nesta área em diferentes níveis dentro do sistema. Isto deve incluir habilidades mais amplas no atendimento ao adolescente, bem como os aspectos mais específicos relevantes para o atendimento de gênero.


125. As organizações profissionais individuais devem determinar quais das competências e competências transferíveis já estão incorporadas nos currículos de formação de suas equipes específicas e onde estão as lacunas.


126. O consórcio deve então desenvolver um currículo para cobrir tópicos que são considerados como ausentes dos programas de treinamento e currículos existentes, e necessários para a formação complementar/desenvolvimento profissional contínuo (CPD)/credenciamento para indivíduos que trabalham nesta área.


Recomendação 15:

A NHS da Inglaterra deve comissionar uma organização principal para estabelecer um consórcio de órgãos profissionais relevantes para:

• desenvolver um quadro de competências

• identificar lacunas nos programas de formação profissional

• desenvolver um conjunto de materiais de treinamento para complementar as competências profissionais, adequadas ao seu campo clínico e nível. Isso deve incluir um módulo sobre a estrutura de avaliação holística e abordagem para formulação e planejamento de atendimento.


Recomendação 16:

O Colaborativo de Provedores Nacional deve coordenar o desenvolvimento de informações e recursos baseados em evidências para jovens, pais e cuidadores. Deve-se considerar se este deve ser um recurso on-line do NHS, hospedado centralmente.


Melhora do serviço

127. Fundamental para qualquer melhora do serviço é a coleta sistemática e consistente de dados sobre os resultados do tratamento.


128. Ao longo do curso da Revisão, tem sido evidente que houve uma falha na coleta confiável até mesmo os dados e informações mais básicos de uma maneira consistente e abrangente; os dados muitas vezes não foram compartilhados ou não estão disponíveis.


129. Será fundamental que os novos serviços formem um ambiente de aprendizagem. Deve haver um processo de melhoria contínua do serviço e reflexão clínica, considerando como os serviços devem evoluir à medida que a base de evidências cresce e as vias de atendimento são avaliadas.


130. Continua a ser necessário a coleta de um conjunto de dados central acordado para informar a melhoria e a investigação dos serviços, com base em abordagens semelhantes já estabelecidas em outras especialidades; por exemplo, no tratamento pediátrico crítico. Isso será fundamental para embasar a prática clínica atual e futura e o cuidado para essa população.


Recomendação 17:

Deve ser definido um conjunto de dados nacionais essenciais tanto para os serviços especializados quanto para os locais especializados designados.


Recomendação 18:

A infraestrutura nacional deve ser posta em prática para gerir a coleta e a auditoria de dados, o que deverá ser utilizado para promover a melhoria contínua da qualidade e a investigação num ambiente de aprendizagem ativo.


Capacidade de pesquisa clínica

131. As lacunas na base de evidências em relação a todos os aspectos do atendimento de gênero para crianças e jovens têm sido destacadas, desde a epidemiologia até a avaliação, diagnóstico e intervenção.


132. É preocupante que tão pouco se saiba sobre esta coorte e seus resultados. É necessário um programa de trabalho contínuo se quisermos entender totalmente a nova variedade de casos de crianças e jovens e suas necessidades, bem como os impactos a curto e médio prazo de todas as intervenções clínicas.


133. Dadas as incertezas em relação aos

resultados a longo prazo para intervenções médicas e não médicas, e as lacunas de conhecimento mais amplas nesta área, é necessária capacidade de investigação para:

• fornecer avaliação contínua de novas pesquisas e rápida tradução para a prática clínica;

• continuar a identificar áreas de prática onde pesquisa adicional é necessária;

• acompanhar rapidamente o desenvolvimento de um ambicioso portfólio de pesquisa que embasará política de avaliação, apoio e atendimento clínico de crianças com disforia de gênero, desde a apresentação até a gestão social, psicológica e médica adequada.


134. As questões e protocolos de pesquisa apropriados precisarão ser desenvolvidos com a contribuição de um painel de acadêmicos, médicos, usuários de serviços e especialistas em ética.


135. Para construir o trabalho realizado pela Universidade de York e manter uma compreensão atualizada desta complexa e rápida área de pesquisa, uma revisão sistemática viva (onde a revisão sistemática poderia ser continuamente atualizada para refletir novas evidências à medida que elas se tornam disponíveis para basear a abordagem clínica dos novos serviços, garantindo que permaneça atualizada e dinâmica) deve ser estabelecida.


136. Sem uma estratégia e infra-estrutura de pesquisa estabelecidas, as questões pendentes relativas às intervenções para apoiar esta população permanecerão sem resposta, e as lacunas de evidência continuarão a ser preenchidas com opinião e conjectura.


137. Evidências de melhor qualidade são fundamentais para que o NHS forneça informações e aconselhamento confiável e transparente para apoiar crianças, jovens, seus pais e cuidadores na tomada de decisões que podem mudar suas vidas.


Recomendação 19:

O NHS da Inglaterra e o National Institute for Health and Care Research (NIHR) devem garantir

que infra-estrutura acadêmica e administrativa para apoiar um programa de pesquisa com base clínica esteja incorporada nos Centros Regionais.


Recomendação 20:

Uma estratégia de pesquisa unificada deve ser estabelecida em todos os Centros Regionais, coordenada por meio do Colaborativo de Provedores Nacional e do Conselho de Supervisão de Pesquisa, para que todos os dados coletados sejam utilizados para o melhor efeito e para ter um número suficiente de indivíduos para ser significativo.


Recomendação 21:

Para garantir que os serviços estejam funcionando de acordo com os mais elevados padrões de evidência, o National Institute for Health and Care Research (NIHR) deverá proceder a uma revisão sistemática viva para informar a abordagem clínica em evolução.


Caminhos

138. São necessários critérios claros para o encaminhamento aos serviços ao longo da trajetória do atendimento primário para o atendimento terciário, para que as crianças e os jovens que questionam o gênero que procuram a ajuda do NHS tenham acesso equitativo aos serviços.


139. Quando a Revisão começou, o acesso ao serviço especializado GIDS era incomum, pois o serviço aceitava encaminhamentos diretamente da atenção primária (GP) e de profissionais que não da saúde, incluindo professores e profissionais que trabalham com jovens.


140. Desde então, o NHS da Inglaterra consultou uma proposta para que todos os encaminhamentos venham através de atendimento secundário e a Revisão apoia esta abordagem.


141. Este relatório define os diferentes papéis e responsabilidades no modelo de prestação de serviços proposto pela Revisão; desde a atenção primária até a assistência terciária e alta, e como a rede deve garantir que as crianças e os jovens estejam adequadamente envolvidos no sistema de saúde.


Caminhos dentro do serviço

142. As discussões com os médicos destacaram a importância de diferenciar os subgrupos dentro da população referida que podem estar em risco e/ou precisar de apoio, avaliação ou intervenção mais urgentes; também pode haver subgrupos para os quais o aconselhamento precoce aos pais ou à equipe escolar pode ser um primeiro passo mais adequado.


143. As crianças e os jovens devem ser capazes de se mover de forma flexível entre diferentes elementos do serviço num modelo de step-up ou step-down, permitindo que eles e seus pais/cuidadores tomem decisões em seu próprio ritmo sem necessitar de re-encaminhamento para o sistema.


144. A base de evidências atual sugere que as crianças que apresentam incongruência de gênero em idade jovem são mais propensas a desistir antes da puberdade, embora para um pequeno número a incongruência persista. Os pais e as famílias precisam de apoio e aconselhamento sobre a melhor forma de apoiar os seus filhos de uma forma equilibrada e sem julgamento. Ajudar os pais e as famílias a garantir que as opções permaneçam abertas e flexíveis para a criança, ao mesmo tempo em que se garante que a criança seja capaz de funcionar bem na escola e socialmente é um aspecto importante do atendimento e não deve haver limite mínimo de idade para acessar essa ajuda e apoio.


Recomendação 22:

Dentro de cada rede regional, um caminho separado deve ser estabelecido para crianças pré-púberes e suas famílias. Os prestadores devem garantir que as crianças pré-púberes e os seus pais/cuidadores sejam priorizados para uma discussão precoce com um profissional com experiência relevante.


Transferência para serviços de gênero para adultos

145. Atualmente, um número significativo de jovens está sendo transferido do GIDS para serviços para adultos. Alguns estarão sob os cuidados do GIDS; no entanto, outro grupo ainda estará esperando pela primeira consulta no GIDS no momento em que completou 17 anos, e sua espera agora contará como espera por serviços para adultos. Isto está aumentando as listas de espera para serviços de adultos e está colocando em desvantagens adultos mais velhos que buscam apoio ao NHS.


146. Isto representa um risco significativo de descontinuidade no atendimento clínico e perda de acompanhamento. Isto também significa que os dados sobre os resultados, que são essenciais para melhorar a base de conhecimento, são perdidos.


147. Um serviço de acompanhamento beneficiaria tanto essa população mais jovem quanto a população adulta. Isso terá o benefício adicional a longo prazo de aumentar a capacidade de provisão de adultos em todo o país, à medida que mais serviços de gênero sejam estabelecidos.


148. Isto seria consistente com as outras áreas de serviços que apoiam os jovens que estão se transferindo seletivamente para um serviço de ‘0-25 anos’ para melhorar a continuidade do atendimento.


Recomendação 23:

O NHS da Inglaterra deve estabelecer serviços de acompanhamento para jovens de 17 a 25 anos em cada um dos Centros Regionais, seja estendendo a gama de serviços regionais para crianças e jovens, seja através de serviços conectados, para garantir a continuidade do atendimento e apoio em uma fase potencialmente vulnerável da sua jornada. Isto também permitirá que dados de acompanhamento clínico e de pesquisa sejam coletados.

149. A revisão solicitou dados sobre os dados demográficos de encaminhamentos para clínicas de gênero para adultos do NHS, que demonstraram que a maioria dos encaminhamentos eram mulheres com idade inferior a 25 anos.

150. Embora a provisão dentro das Clínicas de Disforia de Gênero (GDCs) para adultos esteja fora do escopo desta Revisão, uma série de funcionários atuais e anteriores do GDC contataram a Revisão em confiança com suas preocupações.

151. A Revisão definirá os principais pontos de preocupação para o NHS da Inglaterra separadamente. No entanto, os médicos destacaram a mudança dos dados demográficos dos adultos e a mesma complexidade de apresentação observada nos serviços de gênero para crianças e jovens.

152. À medida que os serviços para crianças e jovens se desenvolvem, será necessária uma abordagem estratégica para garantir que a prestação de serviços para adultos leve em conta as diferentes necessidades da população e as evidências que surjam.


Recomendação 24:

Dado que a mudança nos dados demográficos de quem se apresenta aos serviços de crianças e jovens se reflete em uma mudança de apresentações aos serviços de adultos, o NHS da Inglaterra deve considerar apresentar qualquer atualização planejada da especificação do serviço de adultos e revisar o modelo de atendimento e procedimentos operacionais.


Destransição

153. Os serviços de gênero do NHS devem apoiar todos aqueles que apresentam incongruência de gênero e disforia, seja para transição, destransição ou retransição. Aqueles que destransicionam devem ser cuidadosamente monitorados em um ambiente de suporte, particularmente quando saírem de tratamentos hormonais.


154. A revisão ouviu que as pessoas que sofrem de arrependimento podem hesitar em se envolver com os serviços de gênero que as apoiaram durante sua transição inicial. Deve ser dada consideração se as especificações de serviço existentes precisam ser adaptadas para fornecer especificamente caminhos de destransição ou se este deve ser um serviço comissionado separadamente. Isso deve ser feito em consulta com pessoas que passaram por destransição.


Recomendação 25:

O NHS da Inglaterra deve garantir que haja atendimento para as pessoas considerando a destransição, reconhecendo que elas podem não querer se envolver novamente com os serviços de atendimento sob os quais elas se encontravam anteriormente.


Provisão privada

155. Foi informado à Revisão que vários jovens procuraram uma provisão privada enquanto estavam na lista de espera para GIDS, e também sobre as famílias que tentam equilibrar os riscos de obter suprimentos hormonais não regulamentados e potencialmente perigosos através da internet com o trauma contínuo da espera prolongada por avaliação. O feedback dos focus groups de experiência vivida apresenta isso como "mais uma escolha forçada (porque a provisão do NHS não é acessível em tempo hábil), do que uma preferência". O custo contínuo deste tratamento e a monitorização subsequente podem ser proibitivos para alguns.


156. O GPs expressou preocupação em ser pressionado para prescrever hormônios depois que estes foram iniciados por provedores privados e que há uma falta de clareza em torno de suas responsabilidades em relação ao monitoramento.


157. A Revisão compreende e compartilha as preocupações sobre o uso de medicamentos não regulamentados e de fornecedores que não são regulamentados no Reino Unido. Qualquer médico que verifique que um jovem está recebendo medicamentos de uma fonte não regulamentada deve conscientizar o jovem e sua família dos riscos de tal tratamento.


158. Em termos de cuidados compartilhados e de responsabilidade de prescrição, isto deve refletir outras áreas de prática. Especificamente, nenhum médico deve prescrever fora de sua competência, nem deve ser esperado que os GPs entrem em acordo quanto ao atendimento compartilhado com um provedor privado, especialmente se esse provedor privado está agindo fora da orientação do NHS. Além disso, os farmacêuticos são responsáveis por garantir que os medicamentos prescritos aos pacientes sejam adequados.


159. No entanto, deve haver um acordo para realizar investigações relevantes para garantir que um jovem não esteja sendo prejudicado (por exemplo, monitoramento da densidade óssea).


160. No caso dos bloqueadores de puberdade, o NHS da Inglaterra estabeleceu que estes só estarão disponíveis sob um protocolo de pesquisa. Ao entrar no estudo, o jovem fará uma série de testes para estabelecer seus níveis basais para fins de monitoramento (por exemplo, em relação à densidade óssea), bem como outras avaliações iniciais. Se um indivíduo tomar bloqueadores de puberdade fora do estudo, sua elegibilidade pode ser afetada.


Recomendação 26:

O Departamento de Saúde e Assistência Social e o NHS da Inglaterra deve considerar as implicações do atendimento privado em quaisquer futuras solicitações ao NHS para tratamento, monitoramento e/ou envolvimento em pesquisa. Isto precisa ser claramente comunicado aos pacientes e prestadores privados.


Recomendação 27:

O Departamento de Saúde e Assistência Social deve trabalhar com o Conselho Farmacêutico Geral para definir as responsabilidades de dispensação de farmacêuticos de prescrições privadas e considerar outras soluções estatutárias que impediriam a prescrição inadequada no exterior.


Número NHS:

161. Atualmente, quando uma pessoa pede para mudar seu gênero em seu registro do NHS, a orientação do NHS exige que ela seja emitido com um novo número do NHS. Isto tem implicações para a salvaguarda e gestão clínica destas crianças e jovens e pode afetar a gestão da saúde a longo prazo (por exemplo, a triagem que é oferecida).


162. De um ponto de vista de pesquisa, a emissão de novos números do NHS torna mais difícil identificar os resultados a longo prazo para uma população de pacientes para a qual a base de evidências é atualmente fraca.


Recomendação 28:

O NHS e o Departamento de Saúde e Assistência Social precisam revisar o processo e as circunstâncias da mudança dos números do NHS e encontrar soluções para abordar as implicações clínicas e de pesquisa.


Implementação

163. A Revisão reconhece que a concretização das aspirações estabelecidas neste relatório exigirá alterações significativas. A mudança para o modelo de serviço proposto exigirá uma abordagem faseada e pode demorar vários anos até que o modelo completo esteja operacional em todo o país. São necessários planos estratégicos e operacionais pragmáticos que definam as etapas que serão seguidas para realizar a transformação do serviço.


164. A governança precisa ser colocada em prática para supervisionar a implementação das mudanças necessárias e fornecer liderança em todo o sistema. Isso deve ser externo à divisão de Comissionamento Especializado do NHS da Inglaterra e atrair a liderança clínica de órgãos profissionais. Tendo em conta o nível de interesse externo nestes serviços, devem ser comunicados progressos relativos aos planos de execução.


165. Embora a Revisão tenha se concentrado em crianças e jovens com incongruência de gênero e a angústia relacionada ao gênero, o NHS precisa ser ambicioso em sua provisão para todas as crianças e jovens que buscam apoio do NHS.


166. A provisão do NHS para crianças e jovens em todo o conselho requer maior serviço, desenvolvimento da força de trabalho e investimento sustentado. Sem isso, estamos decepcionando as gerações futuras. O NHS da Inglaterra deve usar essa oportunidade para integrar o investimento e o desenvolvimento de serviços de gênero com as ambições estabelecidas no Plano de Longo Prazo do NHS para uma provisão mais ampla, com consideração dada a um caminho complexo para adolescentes.


Recomendação 29:

O NHS da Inglaterra deve desenvolver um plano de implementação com marcos claros em relação ao futuro modelo clínico e de serviços. Isto deve ter supervisão em nível de conselho e ser desenvolvido em colaboração com os responsáveis pela saúde das crianças e jovens de forma mais geral para apoiar uma maior integração para atender às amplas necessidades dos adolescentes complexos.


Recomendação 30:

O NHS da Inglaterra deve estabelecer processos e requisitos robustos e abrangentes de gestão de contratos e auditoria em torno da coleta de dados para a prestação desses serviços. Estes devem ser respeitados pelos prestadores responsáveis por estes serviços para crianças e jovens.


Aprendizagem mais ampla do sistema

167. A equipe clínica precisa de apoio e orientação de seus órgãos profissionais para aplicar as abordagens baseadas em evidências descritas neste relatório. O consórcio reunido para o desenvolvimento de recursos de treinamento deve também ser um veículo para a concordância de orientações profissionais para os respectivos grupos clínicos. Essa abordagem colaborativa deve incluir processos para ouvir a comunidade para os quais o serviço é construído.


Recomendação 31:

Órgãos profissionais devem reunir-se para fornecer liderança e orientação sobre a gestão clínica desta população, tendo em conta os resultados deste relatório.


168. A inovação é importante para que a medicina avance, mas deve haver um nível proporcional de monitoramento, supervisão e regulamentação que não sufoquem o progresso, mas impeçam uma onda de abordagens não comprovadas na prática clínica. A inovação deve se basear e contribuir para a base de evidências.


Recomendação 32:

Devem ser desenvolvidas orientações mais amplas aplicáveis a todos os serviços do NHS para apoiar os médicos e os comissários a fim de garantir que a inovação seja incentivada, mas que haja um controle adequado e uma governança clínica, a fim de evitar um deslocamento incremental da prática na ausência de evidências.

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