Tratamento para disforia de gênero pediátrica
- Mátria Associação Matria
- 3 de mai.
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Revisão de evidências e melhores práticas
Prefácio e resumo executivo
Departamento de Saúde e Serviços Humanos, 1º de maio de 2025
Tradução de: Treatment for Pediatric Gender Dysphoria
Prefácio
Na última década, o número de crianças e adolescentes que questionam seu sexo e se identificam como transexuais ou não binários cresceu significativamente. Muitos receberam o diagnóstico de uma condição conhecida como "disforia de gênero" e foi oferecida a eles uma abordagem de tratamento conhecida como "tratamento de afirmação de gênero".
Esta abordagem enfatiza a afirmação social da identidade autorrelatada de uma criança; medicamentos supressores da puberdade para impedir o início da puberdade; hormônios do sexo oposto para estimular as caraterísticas sexuais secundárias do sexo oposto; e cirurgias que incluem mastectomia e (em casos raros) vaginoplastia.
Milhares de crianças e adolescentes norte-americanos receberam essas intervenções.
Embora a não conformidade com o papel sexual em si não seja patológica e não exija tratamento, o uso de intervenções farmacológicas e cirúrgicas como tratamentos para disforia de gênero pediátrico tem sido chamado de "necessidade médica" e até mesmo de "salvar vidas".
Motivados pelo desejo de garantir a saúde e o bem-estar de seus filhos, os pais de crianças e adolescentes transidentificados muitas vezes têm dificuldade para encontrar a melhor forma de apoiá-los. Muitas dessas crianças e adolescentes têm condições psiquiátricas ou do neurodesenvolvimento concomitantes, tornando-os especialmente vulneráveis.
Quando buscam ajuda profissional, as crianças, adolescentes e suas famílias devem receber cuidados compassivos e baseados em evidências, adaptados às suas necessidades específicas.
A sociedade tem uma responsabilidade especial de salvaguardar o bem-estar das crianças. Considerando que os desafios enfrentados por esses pacientes se cruzam com questões de significado moral e social contestadas de forma profunda - incluindo identidade social, sexo e reprodução, integridade corporal e normas de expressão e comportamento baseadas no sexo - as práticas médicas que surgiram recentemente para atender às suas necessidades tornaram-se foco de controvérsia significativa.
Esta revisão está sendo publicada no contexto da crescente preocupação internacional sobre a transição médica pediátrica. Tendo reconhecido a natureza experimental dessas intervenções médicas e seu potencial de dano, as autoridades de saúde de vários países impuseram restrições.
Por exemplo, o Reino Unido proibiu o uso rotineiro de bloqueadores da puberdade como uma intervenção para disforia de gênero pediátrica.
As autoridades de saúde também reconheceram a natureza excepcional desta área da medicina. Esta característica de exceção deve-se a uma convergência de fatores. Um deles é que o diagnóstico da disforia de gênero é baseado inteiramente em autorrelatos subjetivos e observações comportamentais, sem nenhum marcador físico, de imagem ou laboratorial objetivo.
O diagnóstico centra-se em atitudes, sentimentos e comportamentos que sabidamente flutuam durante a adolescência.
Além disso, a história natural da disforia de gênero pediátrica é pouco compreendida, embora pesquisas existentes sugiram que ela regredirá sem intervenção na maioria dos casos. Os profissionais da saúde não têm como saber quais pacientes podem continuar a apresentar disforia de gênero e quais se entenderão com seus corpos.
No entanto, o modelo de "afirmação de gênero" inclui intervenções endócrinas e cirúrgicas irreversíveis em menores que não apresentam patologia física. Essas intervenções apresentam risco de danos significativos, incluindo infertilidade/esterilidade, disfunção sexual, comprometimento da densidade óssea, impactos cognitivos adversos, doença cardiovascular e distúrbios metabólicos, transtornos psiquiátricos, complicações cirúrgicas e arrependimento.
Enquanto isso, revisões sistemáticas das evidências revelaram uma profunda incerteza sobre os supostos benefícios dessas intervenções.
As controvérsias em torno da transição médica de menores vão além do debate científico; são profundamente culturais e políticas. O discurso público é dominado por narrativas intensamente polarizadas. Alguns veem a transição médica de menores como uma questão urgente de direitos civis, ao passo que outros a consideram como uma profunda falha médica e um lembrete preocupante de que até mesmo a medicina moderna é vulnerável a erros graves.
Em meio a esse debate acirrado, crianças, adolescentes e suas famílias – que buscam apenas apoiar seu desabrochar – ficam presas entre perspectivas concorrentes. Eles não só exigem como têm direito a informações exatas e baseadas em evidências para orientar suas decisões.
Esta Revisão de evidências e melhores práticas foi encomendada de acordo com a Ordem Executiva 14187, assinada em 28 de janeiro de 2025. Esta não é uma diretriz de prática clínica e não emite recomendações legislativas ou políticas.
Em vez disso, ela busca fornecer as informações mais exatas e atuais disponíveis sobre a base de evidências para o tratamento da disforia de gênero nessa população, o estado do campo médico relevante nos Estados Unidos e as considerações éticas associadas aos tratamentos oferecidos.
A revisão destina-se a formuladores de políticas, médicos, terapeutas, organizações médicas e, mais importante, aos pacientes e suas famílias. Ela resume, sintetiza e avalia criticamente a literatura existente sobre as melhores práticas para promover a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes com sofrimento relacionado ao seu sexo ou às expectativas sociais associadas ao seu sexo.
O tratamento de adultos constitui um tópico separado e não é abordado nesta Revisão. Um resumo dos principais achados da revisão é apresentado abaixo.
Resumo executivo
Parte I: histórico
· A disforia de gênero é uma condição que envolve sofrimento em relação ao corpo sexuado e/ou expectativas sociais associadas. Números crescentes de crianças e adolescentes nos EUA e em outros países recebem o diagnóstico de disforia de gênero. Internacionalmente há um intenso desacordo sobre a melhor forma de ajudá-los.
· O termo "disforia de gênero de início rápido" (DGIR) tem sido sugerido para descrever uma nova apresentação clínica da disforia de gênero. Apesar da forte discordância sobre a validade do conceito, sintomas consistentes com DGIR foram registrados em clínicas nos EUA e em outros países.
· Nos EUA, a abordagem atual para o tratamento da disforia de gênero pediátrica se alinha com o modelo de "afirmação de gênero" recomendado pela World Professional Association for Transgender Health (WPATH). Este modelo enfatiza o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios do sexo oposto, bem como cirurgias, e lança suspeita sobre abordagens psicoterapêuticas para o tratamento da disforia de gênero.
· O desejo compreensível de evitar linguagem que possa causar desconforto aos pacientes tem, em alguns casos, dado origem a formas de comunicação que carecem de fundamentação científica, que pressupõem respostas a controvérsias éticas não resolvidas, e que arriscam enganar os pacientes e as famílias. Esta Revisão usa terminologia cientificamente exata e neutra.
· Em muitas áreas da medicina, os tratamentos são estabelecidos primeiramente como seguros e eficazes nos adultos antes de ser estendido às populações pediátricas. Neste caso, porém, ocorreu o contrário: médicos pesquisadores desenvolveram o protocolo de transição médica pediátrica em resposta a resultados psicossociais decepcionantes em adultos que se submeteram à transição médica.
· Os protocolos foram adotados internacionalmente antes da publicação dos primeiros estudos de resultados. Nos últimos anos, em resposta a mudanças dramáticas no número e perfil clínico de pacientes menores de idade, bem como a múltiplas revisões sistemáticas de evidências, as autoridades de saúde em um número crescente de países restringiram o acesso a bloqueadores de puberdade e a hormônios sexuais e, nos raros casos em que foram oferecidas, cirurgias para menores. Estas autoridades agora recomendam abordagens psicossociais, em vez de intervenções hormonais ou cirúrgicas, como tratamento primário.
· Atualmente, não há consenso internacional sobre as melhores práticas para o cuidado de crianças e adolescentes com disforia de gênero.
Parte II: revisão das evidências
· A medicina baseada em evidências é amplamente reconhecida pelas autoridades de saúde em todo o mundo como a base de atendimento de alta qualidade. Consistente com seus princípios, esta Revisão realizou uma avaliação metodologicamente rigorosa das evidências que sustentam a medicina de gênero pediátrica.
· Especificamente, esta Revisão realizou uma visão geral de revisões sistemáticas - também conhecida como "revisão umbrella" - para avaliar as evidências diretas em relação aos benefícios e danos do tratamento para crianças e adolescentes com disforia de gênero. As revisões sistemáticas existentes das evidências, incluindo muitas que embasaram as autoridades sanitárias na Europa, foram avaliadas quanto à qualidade metodológica. A revisão geral constatou que a qualidade geral das evidências sobre os efeitos de qualquer intervenção sobre os resultados psicológicos, qualidade de vida, arrependimento ou saúde a longo prazo, é muito baixa. Isso indica que os efeitos benéficos relatados na literatura provavelmente diferem substancialmente dos efeitos reais das intervenções.
· Evidências de danos associados à transição médica pediátrica em revisões sistemáticas também são escassas, mas este achado deve ser interpretado com cautela. A detecção inadequada de danos na medicina de gênero pediátrica pode refletir o período relativamente curto de tempo desde a adoção generalizada do modelo de tratamento médico/cirúrgico; a falha dos estudos existentes em rastrear e relatar sistematicamente danos; e o viés de publicação. Apesar da falta de evidências robustas de estudos de nível populacional, insights importantes podem ser extraídos de conhecimentos estabelecidos sobre fisiologia humana e os efeitos e mecanismos dos agentes farmacológicos utilizados.
· Os riscos da transição médica pediátrica incluem infertilidade/esterilidade, disfunção sexual, comprometimento da densidade óssea, impactos cognitivos adversos, doença cardiovascular e distúrbios metabólicos, transtornos psiquiátricos, complicações cirúrgicas e arrependimento.
Parte III: realidades clínicas
· Nos EUA, as diretrizes clínicas mais influentes para o tratamento da disforia de gênero pediátrica são publicadas pelo WPATH e pela Sociedade de Endocrinologia. Uma revisão sistemática recente da qualidade das diretrizes internacionais não recomendou nenhuma diretriz para uso clínico após determinar que "falta rigor e transparência no seu desenvolvimento".
· Os problemas com o desenvolvimento dos Padrões de Cuidados da WPATH, Versão 8 (SOC-8) vão além dos identificados na revisão sistemática das diretrizes internacionais. No processo de desenvolvimento do SOC-8, a WPATH suprimiu revisões sistemáticas que seus líderes acreditavam que poderiam minar a abordagem de tratamento favorecida. Os desenvolvedores do SOC-8 também violaram os requisitos de gerenciamento de conflitos de interesses e eliminaram quase todas as idades mínimas recomendadas para intervenções médicas e cirúrgicas em resposta a pressões políticas.
· Embora o SOC-8 tenha relaxado os critérios de elegibilidade para o acesso a bloqueadores de puberdade, hormônios sexuais e cirurgias, há evidências convincentes de que as clínicas de gênero dos EUA não estão aderindo mesmo a esses critérios mais permissivos.
· O modelo de atendimento de "afirmação de gênero", como praticado em clínicas dos EUA, é caracterizado por um processo liderado pela criança, no qual avaliações abrangentes de saúde mental são muitas vezes minimizadas ou omitidas, e as "metas de personificação" do paciente servem como o principal guia para as decisões de tratamento. Em algumas das prncipais clínicas de gênero pediátricas do país, as avaliações são realizadas em uma única sessão com duração de duas horas.
· As vozes dos denunciantes e de quem está destransicionando vêm desempenhando um papel fundamental ao chamar a atenção do público para os riscos e danos associados à transição médica pediátrica. Suas preocupações foram desconsideradas, descartadas ou ignoradas por proeminentes defensores e profissionais da transição médica pediátrica.
· As associações médicas dos EUA desempenharam um papel fundamental na criação de uma percepção de que há consenso profissional em apoio à transição médica pediátrica. Esse aparente consenso, no entanto, é impulsionado principalmente por um pequeno número de comitês especializados, influenciados pela WPATH. Não está claro que as opiniões oficiais dessas associações são compartilhadas pela comunidade médica em geral - nem mesmo pela maioria de seus membros. Há evidências de que algumas associações médicas e de saúde mental suprimiram os dissidentes e sufocaram o debate sobre esta questão entre seus membros.
Parte IV: considerações éticas
· O princípio da autonomia na medicina estabelece um direito moral e legal dos pacientes competentes de recusar qualquer intervenção médica. No entanto, não há direito corolário de receber intervenções que não sejam benéficas. O respeito pela autonomia do paciente não nega a obrigação profissional e ética dos médicos de proteger e promover a saúde de seus pacientes.
· A evidência de benefício da transição médica pediátrica é muito incerta, ao passo que a evidência para o dano não é incerta. Quando as intervenções médicas representam riscos desnecessários e desproporcionados de danos, os profissionais de saúde devem se recusar a oferecê-los mesmo quando são preferidos, solicitados ou exigidos pelos pacientes. A falha nesta recusa aumenta o risco de danos iatrogênicos e reduz a medicina ao consumerismo, ameaçando a integridade da profissão e enfraquecendo a confiança na autoridade médica.
· Os defensores da transição médica pediátrica afirmam que o arrependimento é incrivelmente raro, enquanto os críticos afirmam que o arrependimento é cada vez mais comum. A verdadeira taxa de arrependimento não é conhecida e é necessária uma melhor coleta de dados. O fato de que alguns pacientes relatam profundo arrependimento depois de serem submetidos a intervenções médicas invasivas irreversíveis é claramente importante. No entanto, o arrependimento isoladamente (assim como a satisfação isoladamente) não é um indicador válido de se uma intervenção é clinicamente justificada. Os pacientes podem se arrepender de tratamentos médicos justificados ou podem se sentir satisfeitos com os injustificados.
· Uma resposta natural à ausência de evidências críveis é um chamado para mais pesquisa e pesquisas melhores. Mesmo se pesquisas de alta qualidade, como estudos clínicos randomizados, sobre supressão puberal ou terapia hormonal fossem viáveis, conduzi-las poderia seu um conflito com padrões éticos bem estabelecidos para a pesquisa em indivíduos humanos.
Parte V: psicoterapia
· O aumento da disforia de gênero em jovens e a demanda correspondente por intervenções médicas tem ocorrido no contexto de uma crise de saúde mental mais ampla que afeta os adolescentes. A relação entre esses dois fenômenos continua sendo objeto de controvérsia científica.
· A ideação e o comportamento suicidas estão associados independentemente a comorbidades comuns entre crianças e adolescentes com diagnóstico de disforia de gênero. A ideação e o comportamento suicida têm conhecidas estratégias de manejo psicoterapêutico. Não foi encontrada nenhuma associação independente entre disforia de gênero e comportamento suicida, e não há evidências de que a transição médica pediátrica reduza a incidência de suicídio, que permanece, felizmente, muito baixa.
· Há uma escassez de pesquisas sobre abordagens psicoterapêuticas para o manejo da disforia de gênero em crianças e adolescentes. Isso se deve, em parte, à descaraterização de abordagens como "terapia de conversão". Uma base de evidências mais robusta apoia abordagens psicoterapêuticas para o manejo de condições comuns de saúde mental em comorbidade. A psicoterapia é uma alternativa não invasiva às intervenções endócrinas e cirúrgicas para o tratamento da disforia de gênero pediátrica. Revisões sistemáticas de evidências não encontraram evidências de efeitos adversos da psicoterapia neste contexto.